quinta-feira, 10 de abril de 2014

Compartilho com vocês a experiência de ter dado aula na UFMG:

Na última terça-feira (08/04/2014) tive a oportunidade de lecionar em nível superior, para a turma do Direito, na disciplina "Introdução à Filosofia: Ética". Agradeço ao professor Joãosinho Beckenkamp por ter cedido sua aula e pelo companheirismo ao longo desses anos.

Foi uma experiência diferente, não importa quantas aulas você tenha assistido na universidade, estar no comando é outra coisa, conviver com a inevitável tensão: "se eu parar, a aula pára junto", além do cuidado para não dizer besteira, realmente não é fácil (sobretudo nos primeiros minutos).

Ser o foco da atenção de aproximadamente 50 alunos adultos, ou melhor, antes disso, conquistar de fato a atenção e despertar a curiosidade deles, exige muito esforço e concentração, quiçá mesmo dom. Certamente os alunos do Ensino Médio público que convivo são extremamente mais agitados, conquistar a atenção de todos eles é quase impossível, mas é bem diferente, por um lado, você não tem que ficar brigando com aluno pra parar de conversar e bagunçar, mas por outro, com todos ligados de início, a pressão é muito maior  embora algumas estratégias didáticas funcionem em ambos níveis, o público é outro, os meios são outros, os objetivos são outros.

Tenho pra mim que aula sem interação com os estudantes não é aula. Não digo que não podemos aprender sem tal, mas a participação dos alunos (mesmo que mínima) talvez seja o diferencial para uma aula ser tediosa ou não. Ora, se o objetivo é a aprendizagem dos alunos, não faz sentido um professor ficar só falando para si mesmo. Portanto, tomei tal tática nessa aula, e felizmente vi uma turma com vários alunos participando ativamente com questões e exemplos, praticamente todos eles extremamente focados, interessados e atentos em cada explicação da aula (tem que saber lidar com a situação, pois não pode ser só uma coisa ou outra, é uma verdadeira arte lidar simultaneamente com questões, a exposição das matérias e o andamento/tempo de aula). Minha aula foi com bastante ilustrações no quadro (como foi no CAD, quadro de pincel facilita a vida, rs), e ainda passei um vídeo para eles refletirem nas polêmicas da ética prática ("Solitário anônimo", pra quem tiver interesse, tem o vídeo no Youtube).

O tema da minha aula foi: "Como pensar a justiça e a ética?". Para tal, tomei os livros de um dos professores de filosofia mais famosos da atualidade, Michael J. Sandel, da Universidade Harvard, eles foram: "Justiça, o que é fazer a coisa certa" (Best seller do autor) e "O que o dinheiro não compra". No primeiro livro a discussão gira em torno das modalidades de Estado democrático, são elas: 1-Libertária, 2- Liberal igualitária, 3- Comunitária; o autor tem uma linguagem muito acessível e resume no livro a filosofia moral de Kant, Rawls e Aristóteles, trata ainda do Utilitarismo a partir de J. Bentham, e discute com um outro filósofo contemporâneo, Nozick (liberal). Tanto no primeiro quanto no segundo livro, Sandel traz questões do cotidiano, exemplos famosos e casos curiosos para ilustrar e discutir qual seria a coisa certa a se fazer, qual seria a melhor ideologia de Estado, quais os prós e os contras de cada um. Os exemplos de Sandel prende qualquer platéia, são realmente muito interessantes, esse é o diferencial dele. (Um dos cursos Justiça do Sandel está disponível no site: www.justiceharvard.org/‎ ).

Eu deixei claro qual é a posição que concordo, a saber, a Liberal igualitária, principalmente quando expliquei a filosofia de Rawls, interagindo com todos eles para mostrar o que seria o "véu de ignorância" do último, e como se faz justiça a partir dos princípios kantianos de universalização. Contudo, não deixei de mostrar os pontos que um comunitarista pode ganhar; o próprio Sandel foi considerado um defensor do estado comunitário, embora ele tenha dito que não gosta de ser taxado tão somente assim, pois compartilha muitos pontos do pensamento de Rawls (liberal igualitário).

Bom, o objetivo aqui não é fazer um resumo da aula, mas narrar a minha experiência. Foi muito bom ver como os exemplos do livro e outros despertaram a curiosidade dos alunos. Trago apenas mais um ponto da aula, exemplo muito bom que os fizeram perceber a importância da filosofia moral kantiana hoje, fazendo frente à posição utilitarista: foi quando falei do filme "Minority Report" do Steven Spielberg, onde, em suma, um ser humano é usado como meio para a felicidade de todos - esse exemplo resumiu horas de explicação sobre as falhas de uma posição utilitarista.

A turma se sentiu muito à vontade, e é muito bom saber que consegui despertar tal clima, penso eu, como introduzido no início do texto, essencial para qualquer aula. Muito legal ver a galera pedindo informações no final, trazendo dúvidas, curiosidades, dizendo que vai comprar os livros do Sandel (apesar de eu não ganhar porcentagens nas vendas, rs), perguntando sobre o Departamento de Filosofia e professores de ética, pegando meu e-mail e etc; destaco dois alunos que me disseram que a aula foi muito boa, literalmente me pediram pra dar mais aulas pra eles, foi muito gratificante. Muito bacana ter conseguido levá-los à uma reflexão essencial. O próprio professor Joãosinho que estava ali para me avaliar em relação à disciplina "Iniciação à docência", disse que gostou muito da aula.

Enfim, foi uma experiência ao mesmo tempo produtiva e muito legal! Aproveito o espaço para agradecer a todos os professores da UFMG que contribuíram para minha formação (além de, claro, os professores do meu ensino básico na E.E. Ondina Amaral Brandão e na E.E. Caminho à Luz, e os professores que acompanhei nos estágios), destaco as professoras da Faculdade de Educação (FAE), Suzana S. Gomes, Maria Cristina Gouvea, Savana Diniz, Maria Tereza e Maria Amália, que tem a tarefa de nos ensinar ser professores e lidam com muitos imbecis que desvalorizam tais disciplinas. De outros departamentos destaco os professores da Faculdade de Letras (FALE) Jacyntho L. Brandão e Antônio Orlando; do Departamento de História a Adriane Vidal, excelente professora, fiz com ela uma disciplina que sem dúvidas marcou minha trajetória, "Revolução e Socialismo na América Latina"; do Departamento de Antropologia a Ana Flávia; do Departamento de Física o Renato Las Casas e o Carlos Heitor; e do Departamento de Ciências Biológicas, o Anderson Miyoshi. Não vou citar nomes do Departamento de Filosofia porque são muitos e posso esquecer alguém, mas quero dizer que me espelho em muitos de vocês, de tal forma que aqueles que merecem tal elogio sabem por outros gestos, e não preciso dizer aqui. Obrigado.

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