domingo, 27 de abril de 2025

Tiu, meu eterno e mais precioso amigo!

    TIU. Nunca mais vou ouvir alguém chamando um cachorro assim e não me emocionar. Foi assim que, por acaso, meu cachorro, meu amigo, foi batizado. Hoje, 21 de abril de 2025, o Tiu nos deixou. Que tristeza!

    Coincidência ou não, ele se foi no mesmo dia que o Papa Francisco, que escolheu se auto nomear pelo patrono dos animais. Desde já, obrigado por ter nos abençoado com sua presença, Tiu! Como eu falava contigo: "valeu, carinha"! Sei que você sabia da sua preciosidade para mim.

    Tiu, esse ficou sendo o nome dele porque não iria ficar lá em casa, o chamávamos assim porque seria provisório, como se chama qualquer cachorro, até doá-lo, mas ele acostumou e não dava para trocar mais. E que bom que foi assim. Que bom que ficamos com ele. Que bom que esse foi o seu nome, tão marcante para cada um da minha família.

    Foram 15 anos e 8 meses ao seu lado. O melhor companheiro! A saudade será eterna. Espero que o tempo leve esse aperto no peito, essa dor terrível. Quem nunca teve cachorro dentro de casa, não tem como entender, esse se tornou um dos dias mais tristes da minha vida; na verdade, é o mais triste.

    Quanto mais a gente vive, mas fica nítido que, se a história do mundo foi escrita, não foi por um autor de novela ou filme clichê. Muitas coisas ficam sem explicação, sem nexo e há contradições absurdas. E, óbvio, final feliz definitivamente não existe: a gente morre no final.
    Quero deixar registrado aqui um pouco do que vivi com meu grande amigo; sábio quem disse que “o cachorro é o melhor amigo do homem”. Sem dúvidas! Mas, começo pelo fim, pelo dia que ele se foi.

    Estou escrevendo esse texto dentro de um ônibus de viagem, enxugando lágrimas nos olhos. Tive a triste notícia longe dele. Estava em Búzios; saí do céu para o inferno. Mais uma daquelas contradições homéricas que o mundo nos reserva: dias maravilhosos, terminados com uma punhalada no peito. Queria estar agora separando as melhores fotos da viagem, mas estou aqui, escrevendo esse texto, que é obrigatório e vital para mim, para ficar como uma homenagem ao meu grande amigo, Tiu. E, ainda, falar nos faz bem. E se torna necessário nesse momento.
    A minha dor é dilacerante. Mas não quero apenas focar nesse sentimento. Todavia, quero mencionar o momento da notícia, para registrar e ficar como alerta para quem viver algo parecido.

    Quando vou em cidade de praia, não sou do tipo que curte ficar morgando em uma cadeira ou deitado na areia. Quem me conhece um pouquinho melhor sabe: eu gosto de explorar, caminhar pelos locais, conhecer o máximo de coisas que der. Prefiro muito mais me banhar em várias praias por dia, mesmo que isso signifique deixar uma confortante para ir caminhando para uma outra em meio a pedras.

    Meu espírito aventureiro me fez mudar a passagem de volta, saindo mais tarde de Cabo Frio para poder conhecer uma praia que me propus a conhecer hoje, desde que acordei: a praia em que Brigitte Bardot morou perto: Praia da Tartaruga. Já não gosto de ficar mexendo muito no Whatsapp, ainda mais em viagem. Mas, quando cheguei lá, tinha uma ligação da minha mãe. Tinha mandado uma mensagem para ela no dia anterior dizendo que só responderia à noite. Perguntei na hora se aconteceu alguma coisa. Ela perguntou se eu ia chegar hoje ou amanhã. Respondi amanhã, como eu já havia lhe dito. Ela gravou um áudio perguntando o horário. Ela me pareceu rouca, perguntei se estava gripada e reclamei que se não tivesse acontecido algo do tipo "alguém morreu", ela me deixou preocupado atoa.

    Fui descendo para perto do mar e recebo uma mensagem do meu irmão dizendo que o Tiu havia morrido. Assim, diretamente. Disse-me que minha mãe não queria contar. Seria o melhor mesmo. Não se deve fazer isso se a pessoa nada pode fazer para chegar rápido. É uma dor que não precisava ser causada naquele momento, tendo em vista que eu chegaria em BH amanhã de manhã e não dava para ser diferente. Não chego a culpar meu irmão, porque a ligação da minha mãe já desencadeou tudo. E também não a culpo, afinal, difícil racionalizar numa hora dessas.
    Fiquei perdido com o choque. Inevitável, claro. O belo lugar que eu acabava de chegar sumiu da minha frente. Meu peito chegou a arder de uma forma única, em meio a calafrios. Não respondi mais nem minha mãe nem meu irmão por um bom tempo. Era preciso o silêncio externo. Foi sair da empolgação total para a dor total, em segundos.

    Estava só, deixei minhas coisas perto de duas senhoras, pedi para olharem e entrei no mar. Água super gelada, já era quase 17:00 horas de uma tarde nublada. Fiquei ali, mais afastado, um dos poucos na água, olhando para o horizonte e lembrando dos momentos com o meu amigão e com um sentimento dilacerante, da perda em si e de não ter feito mais por ele antes do acontecido. Chorei – o início das lágrimas que ainda correriam por longos dias. Ele estava mais magro do que o normal, mas, sem outros sintomas, achamos que tinha mais a ver com a idade. Talvez fosse isso mesmo, não sei os detalhes ainda [depois, quando cheguei em casa, fiquei sabendo que não foi definido o motivo dele ter perdido peso]. Era sempre muito difícil levar o Tiu para tosar e ao veterinário. Ele resistia o tempo todo e era sempre traumático para ele. Só uma pessoa conseguia cuidar dele, com muito custo. Não queríamos que amarrassem a boca dele, poderia não aguentar. Então ficamos esperando algo além do que a perda de peso daquele momento, que foi gradual, para levá-lo. Até que há pouco mais de duas semanas – suas unhas e pelo estavam muito grandes, e ele mais magro – decidimos levá-lo, já passava a compensar os mencionados contras, estava marcado para sem ser nesse último sábado, o anterior, mas a pessoa que cuida dele disse de última hora que não poderia. Fora a perda de peso, ele estava bem. Limitado, já não estava ouvindo e quase completamente cego, mas bem de saúde, sem uma doença que indicasse que estava perto do seu fim. Iria levá-lo no próximo final de semana. Mas não deu tempo.

    Tenho um remorso de não ter levado ele para tosar e consultar com o veterinário antes, em um intervalo de duas ou três semanas em que ele já havia emagrecido mais e eu estava livre. Antes disso, seria correr um risco de ele ter um colapso só para tosar, tendo em vista que ele ficava muito nervoso e passava horas lá, tendo a sua boca amarada por um tempo. Em outras semanas além dessas, não deu: eu só podia no final de semana, pois ele ficava muito tempo lá; em um, fiz uma das etapas de um concurso em que fui aprovado, no outro, viajei. Se ele já estivesse passando mal, eu teria interrompido esses planos para cuidar dele, mas ele estava bem, apesar do emagrecimento. Estava dormindo, comendo, bebendo, fazendo xixi e cocô, tudo normal. Como eu disse, os planos eram levar ele para tratar no próximo sábado. Já tinha falado com minha mãe para marcar com a moça que tosava ele e com a veterinária.

    Outra coisa que é um baque/remorso para mim é saber que eu poderia ter deixado escrito para minha mãe locais que buscam pets em urgência, para agilizar o socorro. É muito duro antecipar as circunstâncias e o momento da morte, mas é preciso, para tentar evitá-la, se possível, e se precaver para não ter que decidir tudo em meio ao sofrimento. Quando eu estava morando em outra cidade, falava com meu irmão para providenciar isso. Ele não fez; eu, mesmo sem tempo, cheguei a correr atrás, pois longe eu não poderia fazer nada. Quando eu voltei para BH, de certa forma inconsciente, fui pensando que eu estaria por perto para socorrê-lo. Depois percebi, com ele ficando mais velho, que não seria nada fácil ele sobreviver a uma situação de urgência. Muitas vezes eu chegava e observava ele dormindo para ver se estava respirando. Mas sem dúvidas eu faria o possível e o impossível para salvar ele, mas aconteceu quando eu não estava em casa e não deixei anotado instruções para facilitar o socorro.
[Depois vi o quanto minha mãe também sofreu nesse sentido, por ter perdido precioso tempo esperando que ele fosse melhorar normalmente. Quando ela decidiu que teria que correr com ele para a urgência, os primeiros lugares que meu irmão ligou não transportavam naquela hora (eram quase 04:00 da manhã), felizmente o Rodrigo, um grande amigo nosso, se prontificou a levar ele de forma imediata – muito obrigado por isso, meu caro].

    Apesar do destino terrível, algumas coisas são um alento, dentro do possível, evidentemente. Voltando ao momento em que fui viajar: eu saí correndo, arrumando as coisas como um louco para não perder o ônibus. Acreditem, eu já havia me despedido de todos e estava descendo as escadas, super atrasado e o Uber me esperando na porta. Lembrei que não vi o Tiu. Em estrada, tudo pode acontecer, né? Fiz questão de voltar até próximo da cozinha, onde ele estava dormindo, fazer um carinho nele (agora sei que foi o último) e me despedir. Fui em paz. Na minha cabeça, estava mais a possibilidade de algo acontecer comigo, sem uma "despedida"; mas aconteceu com ele, em casa. Que tristeza!

    Como descrever essa parceria para ficar uma ideia para quem ler esse texto, meu caro amigo Tiu? Lembro dos momentos e me voltam a correrem lágrimas pelos olhos. Essas lágrimas serão lugar comum por um bom tempo. Não queria estar escrevendo esses momentos, mas ainda compartilhando eles contigo, meu companheiro fiel. Tiu era tão cheio de energia, inclusive, muito triste ver ele ficar com fraqueza e com dificuldades para caminhar, por causa da idade. Ele envelheceu muito no último ano. Mas, mesmo assim, reconhecia a gente e gostava de estar por perto.
    Tiu não dormia no meu quarto; sou alérgico. Tiu respeitava o limite da minha cama. Só chegava mais perto dela raramente; quando tinha alguma coisa o incomodando muito. Depois que a visão dele ficou ruim, passou a chegar mais perto. Quase sempre eu o tocava dali, indicando para ele seguir outro caminho e ele esperava por isso, então deitava no chão. Muitas vezes usava meu pé como travesseiro. Como vou sentir falta disso. De tudo!

    Em andei com o Tiu a região Leste de BH inteira. Já fomos andando a pé para o Centro e outros lugares bem distantes também. Tinha vezes que nossa caminhada era mais de quatro horas. Frio ou calor, cedo ou tarde, saíamos. Corremos juntos algumas vezes, até debaixo de chuva. Lembro da primeira vez que Tiu viu um cavalo. Ele estava distraído com algum cheiro no meio-fio e, quando levantou a cabeça, tomou um susto. Ele nunca tinha visto um bicho daquele tamanho, rs. Lembro da primeira vez que passamos por uma ponte. Ele ficou com muito medo e travou. Tive que pegar ele no colo (ele não gostava que pegasse ele no colo). Aí ele viu que a ponte não caia nem nada e passou de boa nas inúmeras próximas vezes.

    Como o Tiu era inteligente! Quando mais novo, aprendeu todos os truques para empurrar a cerca que fazíamos. Tiu aprendeu a abrir porta! Sério! Ele colocava uma pata de um lado e abaixava a fechadura com a outra. Não era algo aleatório. Largava partes do que não queria comer, separando certinho a comida no prato (muitas vezes era difícil dar remédios para ele, por causa disso). Tiu foi meu primeiro cachorro. Só depois de ter um, vi como eles eram inteligentes. Sem contar o monte de palavras que ele aprendeu. Evidentemente, nunca batemos nele, então, para repreendê-lo, borrifávamos água em seu focinho. Depois, não era preciso quase nunca usar a água, bastava falar, "eu vou te molhar", ele saia fora na hora. Tantas outras frases que ele aprendeu: como o “vai para a sua cama”, e ele ia, o “dá pata”, e ele dava, o “vai tomar água, Tiu”, e ele ia, entendia o sinal com a mão o chamando, era incrível! E muitos outros exemplos de pura inteligência. Tiu ficava marcando cerrado quando estávamos com o prato de comida na mão (depois que ele comeu um cubo de bacon, que por acaso caiu no chão, a ração parece ter perdido toda a graça rs, ele a comia, mas normalmente quando estava com muita fome ou junto com frango e ovo, que dávamos para ele), para mim, quase sempre ele esperava paciente, sem latir, a não ser quando eu demorava muito. Mas tinha hora que não dava para ele ficar ali, aí eu falava com minha mãe: "põe para ele aí".
Ele entendia na hora e corria para a cozinha, onde sempre ganhava algo após a minha fala. Logo depois, ele voltava, mas dava tempo para fechar a porta ou terminar de comer. E ele não saia de perto da minha porta até eu sair e colocar alguma comida para ele; às vezes, chegava a dormir lá, esperando. Como era esperto! Eu gostava de dar essa sobra de comida para ele; até quando eu almoçava em um restaurante perto de casa, fazia questão de trazer um pouco para o Tiu. [Esses dias, cheguei de forma automática a deixar um pouco de comida no prato para ele. Hábito de quase 16 anos. Que tristeza ele não estar aqui para comer].

    E a memória do Tiu era surpreendente! Eu andava umas meia-hora com ele, até o lugar em que ele tosava (Tiu não aceitava entrar em carro). Quando estávamos ainda há vários quarteirões de lá, ele reconhecia o caminho e começa a fazer de tudo para voltar. Era uma luta! E memória para o lado bom também: era só pegar a sua guia azul que ele ficava todo feliz, sabia que iria sair! Como gostava de sair! É indescritível a alegria e a empolgação que ele ficava quando percebia que ia sair (e ele já percebia pelo tênis que eu usava, pois costumava ser o mesmo para sair com ele). Gravei um vídeo desse momento, e olha que não é um dos que ele estava mais empolgado [Link vídeo]. Nunca vai ter outro cachorro nesse mundo que goste tanto de sair e explorar. Mera coincidência com o dono? rs. Curioso falar isso, já aproveito para mencionar que de fato ele fazia algumas coisas como que me imitando mesmo. Por exemplo, eu normalmente empurrava um tapete que ficava perto da pia da cozinha, quando ia usá-la, Tiu aprendeu a fazer o mesmo. Ele chegava na cozinha e já empurrava esse tapete.

    Quando Tiu saía na rua, era um evento, um parque de diversões infinitas para ele! Pensa em um cachorro feliz! Ele corria os dois primeiros quarteirões como um trem bala! Eu corria tudo o que podia para tentar acompanhá-lo, mas não dava. Tinha que diminuir a velocidade dele, puxando um pouco a guia. Mas sempre era assim: sair de casa e correr a todo vapor dois quarteirões com o Tiu. E dois morros! Depois ele ia cheirando cada canto, ainda rápido, mas em velocidade acompanhável. No mais das vezes, fazíamos sempre o mesmo caminho, no princípio dos passeios. E como ele reconhecia cada canto desse caminho! Atravessava nos mesmos lugares, aproximava dos mesmos portões, corria nos mesmos momentos, fazia as mesmas coisas, quase como uma sinfonia. Quando chegava na praça – seis quarteirões depois da minha casa – aí podia ser qualquer rota; meio que ele olhava para mim como dizendo, e agora, para onde vamos?
 Tiu sabia de antemão cada portão onde tinha um cachorro e como reagir: normalmente latia para o cachorro, marcava o território e corria. Tinha um Chow-chow que o Tiu odiava (e vice versa), ele ficava muito bravo com esse Chow-chow; não sei porque. Mas ele gostava de passar lá perto. Tiu não gostava de chow-chow, uma vez tentou até me morder porque eu estava o segurando para não brigar com um. Não era nada fácil segurar ele nesse estado.

    Como eu disse, ver o Tiu ir perdendo as forças dele foi ainda mais triste do que o ver ficando surdo e cego. Era como se não fosse o cachorro que ele sempre foi, com disposição para tudo, uma verdadeira máquina. É verdade que a perda gradual da visão foi contribuindo para ele perder a velocidade dos movimentos, claro. Em uma das últimas vezes que saímos, ele estava pulando antes da hora os meios-fios, como se estivesse vendo só uma sombra e tentado dar uma margem de segurança. A saúde do Tiu era de ferro! Só passou mal mesmo duas vezes nesses quase 16 anos. Uma ele chegou a tomar soro, era muito novo, passou mal ao comer algo. A outra, ele ensaiou um desmaio quando estava comigo na rua, mas logo voltou – acho que nessa época ele não tinha 10 anos ainda. De resto, que saúde privilegiada! Ah, ele passou também por uma peladeira pesada e uma leve alergia nas pálpebras, mas se recuperou plenamente de ambas. Só mesmo na velhice que ele começou a ter uns poucos episódios de tremedeiras (que logo passavam, apesar de assustadores) e dores articulares. Na velhice também passou a ter quedas e se esforçar um bocado para se levantar, mas isso quando já estava mais velho do que o esperado para a raça dele. Tiu foi o último de seus irmãos a partir. Mesmo assim, se tivesse sido socorrido a tempo, ele poderia ter vivido mais, pois não tinha uma doença mortal. Tiu não estava em sofrimento e agonia. Os problemas dele eram esperados pela idade. A perda de peso ficou mais séria não tem muito tempo, aí decidimos levar ele para tratar, independente do risco em deixá-lo nervoso, mas, como eu disse, não deu tempo. Destino cruel.

    Ultimamente, Tiu vinha dormindo muito – algo que é comum para cães idosos. Dei uma volta com ele bem velhinho e há alguns meses eu não estava saindo com ele mais, tendo em vista que ele não estava enxergando e voltava muito ofegante, com muitas dores, ficando mancando mais que o normal. (Mesmo assim, como me arrependo de não ter saído com ele mais recente, mesmo que só um pouquinho, pois era a coisa que ele mais gostava de fazer!). De forma que nossas atividades juntos diminuíram nos últimos meses. Eu estava com muito pouco tempo livre e sempre resolvendo alguma coisa desse cotidiano que nos suga, então só fazia um carinho com a mão ou com o pé rapidinho nele, ou o ajudava a se levantar. Não deixei de estar por perto, mas que pena não ter parado tudo mais vezes para ficar com ele. Como ele estava cego, ficava forçando a cabeça na gente para se conectar, se localizar ou aproveitar para se coçar. Como ele normalmente não parava quieto nesse movimento, eu acabava tirando o pé, ou a perna, depois de um tempo, aí ele ficava meio parado e depois ia fazer outra coisa ou se deitar. Um pouco mais de contato precioso que eu perdi, triste fato. Às vezes, ele latia à noite, dois latidos seguidos, por algumas vezes, normalmente só chegávamos e o ajudávamos a se levantar. Mas como ele merecia muito mais! Temos que apreender a aproveitar o tempo que temos com quem amamos, da forma que for, pois eles passam e não tem volta.

    Antes de perder a audição, que ouvidos o Tiu tinha! Parecia um super poder. Ele escutava uma agulha caindo na esquina! Percebia a gente chegando como se fosse um GPS. Eu, ao lado dele, percebia ele agitar, e já antecipava: a pessoa de casa que havia saído estava chegando. E logo eu escutava o portão abrindo. Parecia mágica. Além de escutar bem, ele entendia quando estávamos falando dele, e logo ficava olhando pelo canto do olho ou vinha interagir. Tiu não aceitava brigas perto dele, quando via alguém discutindo, entrava no meio para separar. Ele também via qualquer pingo diferente no chão. Não errava uma pegada de ração que jogávamos no ar para ele. Quando ele perdeu quase que completamente a visão, passou a ficar mais parado em casa e, usava a cabeça como uma bengala pelas paredes, para se localizar, triste vê-lo assim; mas sua inteligência era tanta que reaprendeu a viver dessa maneira, sabia chegar aonde quisesse dentro de casa. O olfato, nem se fala, era como um radar! Desse ele não perdeu nada até o fim de sua vida.

    Teve um episódio foda também em que o Tiu recuperou totalmente: ele se infestou de carrapatos. Foi tenso, viu! Eu não sei onde ele pegou; acredito que foi em uma vez que embrenhamos pelo alto da Baleia. Lá tem muito mato, cavalo, e logo depois apareceram as pragas. Muito rápido e ele estava lotado deles. Quando aparece um grande, já tem um monte de pequenos. Enfim, raspamos ele e demos os medicamentos, além de passar o produto na casa. Deu certo, Tiu se livrou deles. Porém, antes que isso acontecesse, eu levei a pior mordida dele. Quando apareceu os primeiros maiores, eu resolvi pegar um pente e arrancá-los da cabeça dele. Arranquei os primeiros. Saiu um pouco de pêlo e tudo indicou que doeu. Fato é que quando cheguei com o pente perto dele para a segunda rodada de arranque, ele bocou feio a minha mão, com uma velocidade que não dava para fazer nada. Nem dava para xingar ele, reação natural ao eu aproximar dele o objeto que o havia acabado de machucar. A propósito, Tiu era muito valente, enfrentava qualquer um.

    Aliado de ouro era o Tiu; em tudo. Teve uma vez que vi um rato entrar dentro de casa, passou voando como um vulto, mas eu o vi. O bicho entrou para a cozinha e parece ter entrado para um portal e desaparecido. Como dormir assim, né? Revirei cada canto da cozinha na procura do meliante e nada. Olhei tudo de novo e nada. De repente o Tiu foi para perto do fogão e começou a latir. Eu olhei detalhadamente dentro do fogão e nada. Fui saindo de perto e Tiu começou a latir mais; voltei. Já tinha olhado tudo, inclusive levantado o botijão de gás, mas o Tiu não parava de latir ali. O botijão da cozinha lá de casa tem uma daquelas proteções de metal, como uma capa, mas eu já havia levantado ele e nada. De repente, Tiu late violentamente para o botijão. Pensei comigo: será que esse bicho está entre a proteção de metal e o botijão, tendo ficado quietinho quando levantei o botijão? A resposta é sim! Resolvi tirar a capa de metal do botijão e nesse momento o rato saiu como uma bala! Tiu saiu correndo atrás dele, o que impediu o rato de ir para outros cômodos e o fez sair pela porta que havia entrado. Se não fosse o Tiu, esse rato estaria morando lá em casa até hoje, rs.

    Voltando sobre às mordidas, Tiu não era de morder muito, mas era preciso não o provocar. Teve uma vez que ele cravou um de seus caninos na mão da minha mãe. Ele estava nervoso com a tosa (depois aprendemos que, quando ele voltasse de lá, não dava para ficar fazendo graça com ele), minha mãe viu algo no chão que ele estava olhando também e agachou para pegar antes dele. Ele veio quente e a mordeu. Para ele era como um instinto mesmo de falar “sai para lá”. Tem gente que não entende isso nos cães. Eles não são bichinhos de pelúcia, têm personalidades distintas, de forma que é preciso a gente aprender a conhecê-los e saber lidar com eles. Era tão algo de momento, como se fosse tipo um “empurrão” que ele te dava, que passava poucos minutos e ele já chegava perto da pessoa, balançando o rabo. Não tinha nenhuma maldade. E não se trata de ele se achar o líder, ele sempre respeitou todo mundo lá em casa, e sempre foi amoroso com todos, sem exceção. Depois que entendemos o agir dele e nos adaptamos, não mordeu mais ninguém.

 Como Tiu era parceiro do meu pai! Depois que meu pai parou de trabalhar, ficava muito em casa, na sala. Tiu passava boas horas do seu dia ao lado dele. Gostava de estar ali perto. Como eu disse, Tiu gostava de todos da casa, mas certamente era mais próximo do meu pai e de mim. Do meu pai, por passar mais horas com ele, de mim, por brincar mais com ele e por sairmos em parceria na rua. Era engraçado que quando minha mãe chegava junto com meu pai, ele passava por ela, ia primeiro cumprimentar meu pai, e depois ele voltava na minha mãe. Era assim todo domingo, rs. Por falar em cumprimentar, isso era outra coisa que Tiu fazia como religião. Sempre que eu acordava, ele vinha e passava a cabeça e o pescoço em minhas pernas. Eu sempre respondia com um: “ei, Tiu”. E ele voltava a fazer o que estava fazendo ou ficava ali me observando.

    O Tiu dominava tanto todas as coisas que acontecia em casa que, quando via algo diferente, achava estranho e chegava junto para interagir. Normalmente, quando eu malhava em casa, era no meu quarto. Tenho uns halteres e Tiu acostumou a me ver com eles e tal. Mas, se eu saísse do quarto e começasse a fazer um aquecimento com as pernas, tipo esses que jogador de futebol faz ou simulando pular corda, ele vinha de onde estivesse e pulava em mim. Eu falava: “sai, Tiu!”, e ele continuava pulando, como se estivesse dizendo: “quero brincar também, uai!” rs.

    Um momento que marcou demais para mim (e certamente para ele também) foi quando eu fui trabalhar em Montalvânia - MG. Uma cidade quase na divisa com o Estado da Bahia. Meu coração doía ao saber que estava perdendo um tempo precioso com ele, que não teria mais volta. Tiu já estava com 13 anos e me afligia saber que ele poderia ir embora enquanto eu estava morando lá. Despedi longamente dele no dia da ida/mudança. Lembro que ele estava dormindo, eu o acordei. E ele ficou o tempo todo achando ruim (era visível na cara dele rs), sem entender porque eu estava o acordando “atoa”. Tirei fotos com ele, me despedi. Eu costumava passar pelo menos um ou dois meses lá, sem voltar em casa. Minha mãe disse que Tiu sentia muita falta de mim, às vezes entrava no meu quarto e ficava deitado na porta. Sempre que eu chegava, era como se eu tivesse saído ontem, de tão fresca a sua memória sobre mim. Fazia uma festa e vinha me cheirando todo. Lembro do cachorro do Ulisses no livro “A Odisséia”: depois de vários anos em que Ulisses ficou fora, foi o único a reconhecê-lo, mesmo estando disfarçado. Tiu era assim.

    Não posso deixar de mencionar algo que sempre foi muito marcante no Tiu: ele gostava muito de tomar água (de beber só, porque de banho, ele corria rs). Acredito que isso ajudou a prolongar a vida dele. Quando ele era novo e andávamos muito, muitas das vezes eu parava em postos de gasolina para dar água para ele; se não tivesse vasilhinha, na minha mão mesmo. Foi incrível como ele associou o cheiro do posto à possibilidade de tomar água. Muitas vezes via um de longe e me puxava para lá. À propósito, a marca da vasilha de água dele está tatuada no chão da minha casa, assim como outros locais em que deixávamos coisas para ele. Fico imaginando como marcas similares a essas físicas, só que ainda de forma mais profunda, estão na nossa alma. Quase 16 anos marcando com a coisa mais importante que há: o afeto.

    Tiu chegou bem pequeno lá em casa, filhote de um mês. Minha mãe tem um box em uma feira-shopping, onde ela vende camas e acessórios para cachorros. Uma vizinha precisava doar os cachorros que haviam nascido. Minha mãe pegou uns e iria divulgar no box. Então, lá em casa ficou o Tiu e a irmã dele.
    Tiu era mais peludo e quietinho (só foi assim enquanto bebê, rs), a irmã dele era elétrica, sempre brigando/brincando com ele. Era impressionante como sempre era ela que começava. Era para eles ficarem pouco tempo.

    Minha mãe colocou um pano no único canto livre da casa, que era literalmente debaixo da minha bicicleta, para eles fazerem de cama, e assim aconteceu. Por causa disso, Tiu nunca teve medo de bicicleta e sempre se sentiu confortável próximo de uma, mesmo ali logo tendo deixado de ser sua cama. Minha mãe arrumou bem rápido uma família que ficou com a irmã dele. Foi triste separar os dois. Tiu ficou bem amuado nos primeiros dias. Um tempo depois, apareceu um cara mais velho, que disse que ia levar ele para ficar em um sítio. Chegou com uma caixa de sapato pequena para levá-lo. Impedi na hora, quando vi tais condições, e disse que ele não sairia dali de jeito nenhum, dobrado em uma caixa de sapato que nem o cabia direito! Fomos apegando a ele, mas minha mãe achou um sujeito, no meu bairro, que disse que ia ficar com ele. O cara o levou quando eu não estava em casa. Sentimos muito. Passou menos de uma semana, e descobrimos que o sujeito saia o dia inteiro e deixava ele amarrado em uma corda com um metro de comprimento, debaixo de um tanque úmido, simplesmente para ser um "alarme" da casa. Fui lá na hora e pegamos ele de volta. Minha mãe ficou ainda procurando uma família para ele por um tempo. Até que decidimos não dar ele mais. Que o lugar dele era conosco e que já estava acostumado com tudo ali. Melhor decisão que tomamos. O que ele nos proporcionou, nos abençoou com sua presença e companhia, não tem preço!

    Apesar de ter podido viver mais, Tiu viveu muito. Não é exagero dizer que teve várias versões do Tiu. Principalmente Tiu bebê, Tiu adolescente, Tiu adulto, Tiu meia idade e Tiu velho. Cada uma delas com suas características e peculiaridades que eu me estenderia enormemente se fosse descrever todas aqui. É curioso que, tal como o ser humano, eles passam a gostar de outras coisas com o tempo. Tiu gostava muito de subir em cadeiras e no sofá. Minha mãe colocou almofadas novas no sofá e passou a tocar ele toda vez em que subia. De repente, ele perdeu a graça com subir em sofá, se colocasse ele lá, logo saia fora. Mais velho, ele já não conseguia chegar e pular no sofá como antes, mas não sofreu com isso, pois perdeu a graça com ele antes.

    O comum em todas as fases dele foi gostar de sair [Link vídeo] e de brincar comigo quando eu chegava. Além de fazer a festa e nos receber como se fossemos membros dos Beatles. Tiu amava brincar de pega-pega comigo, assim que eu entrava em casa, era jogo rápido, mas como um ritual: eu dobrava o corredor da casa e falava: “vou pegar ele!”, e eu corria, e ele saia correndo atrás de mim, como se fosse para morder. Eu corria até a cozinha e ele vinha disparado atrás; chegando perto do armário, eu o driblava como um toureiro, e ele já esperava por isso, então ele pulava, batendo de lado com força no armário, e se voltava para mim, agachado, pulando lateralmente, de um lado para o outro, e latindo, como que dizendo: “vou te pegar”! Eu dava uns toques na cabeça dele, enquanto ele tentava pegar a minha mão; então, eu corria para a sala e ele vinha atrás de mim, do mesmo jeito, driblava ele novamente e voltava para a cozinha, da mesma forma. Normalmente terminava aí: eu lavando minhas mãos e ele cheirando o solado do meu tênis, como um Sherlock Holmes, procurando por uma pista de onde eu estive. Quando ele era mais novo, após a perseguição, ainda costumava morder a vassoura e sair carregando ela na boca, todo fortinho, rs. Aí eu ia atrás e ficava puxando a vassoura para ele ficar no cabo-de-guerra que tanto amava, enquanto rosnava para mim. Era engraçado que era só eu largar a vassoura e voltar para a cozinha, ou ir para o meu quarto, que ele a largava também e vinha calmamente atrás de mim, entendia que a brincadeira havia acabo. A vida dele toda brinquei com ele dessa forma, mesmo ele bem velhinho, mancando, ainda ensaiava os mesmos passos e despertava uma energia só para mais uma brincadeira assim, menos intensa, mas ainda cumprindo o ritual. Tenho esse alento de sempre ter brincado com ele nessas horas.

    Tiu, no começo, gostava de morder chinelos, depois parou. Tiu não era muito de destruir as coisas, a única que me lembro foi pesada: o meu colchão. Ele não subia na minha cama, mas não sei porque cargas d'água ele subiu naquele dia. Fato é que cavou um buraco considerável nele e se deitou no mesmo. Quando eu o flagrei ali, já disse: "você ficou doido, Tiu! Olha o que você fez!". Ele pulou fora e saiu correndo, com aquele olhar de moleque, pego em travessura.

    Por falar em cama, por um bom tempo valeu lá para casa o ditado "na casa do ferreiro, o espeto é de pau". Tiu havia acostumado com o tapetinho dele. Mas depois de uns anos minha mãe trouxe uma cama para ele. Ele só foi acostumar a deitar nela ao colocarmos o tapetinho dele dentro dela. Depois ele acostumou com a cama e tiramos o tapete, apesar de sempre ele ter preferido dormir no chão perto da gente. Ia dormir nela, sempre caindo mesmo jeito, largando o corpo de uma vez.
Essa primeira cama dele era pequena, era engraçado ele grandão nela. Depois minha mãe trouxe uma das melhores camas que tinha. Tiu deixou de dormir na cama agora nessa fase final. Acredito porque não estava enxergando-a mais. Sem contar que suas horas de sono aumentaram muito e ele estava com dificuldade de andar. Então, passou a dormir cada vez mais em qualquer lugar. A cama chegou mesmo a perder a utilidade nesse último ano. Tiu também nunca foi afeito a roupas de cachorro, rs. Como disse minha mãe uma vez, Tiu já nasceu de smoking! E de sapatos brancos ainda! Que pelagem linda ele tinha! Sempre era elogiado na rua. Tosar ele era um sacrilégio. Virava outro cachorro; ficava parecendo pitbull. Mas era necessário. De qualquer forma, considerando ainda a dificuldade que era levar ele para tosar, acabávamos fazendo o mínimo possível de vezes.

   Tiu não gostava de ficar sozinho, da sensação de alguém sair e deixar ele para trás. Sempre vinha correndo e latindo como um louco para não deixar a gente sair. Era muito curioso isso. Tínhamos que driblar ele ou jogar um pedacinho de salsicha – que já deixávamos picados para esse fim – para trás e fechar a porta rapidamente, enquanto ele ia comê-lo. Tinha que saber lidar com o Tiu. Haviam certas coisas que, se a gente as fazia, corria sério risco de sermos mordidos. Basicamente, ele mordia se entendesse que você iria disputar a comida que era dele. Aprendemos a respeitar esse momento e o espaço dele. Tiu também não gostava de atitudes muito diferentes; às vezes, dava um "chega para lá" no autor de gracinhas. O problema foi resolvido, mas não sem antes de ele morder todo mundo lá de casa e outros, rs. Ninguém nunca ficou com raiva dele, pois entendia o erro cometido e via que não tinha maldade nele.

    Ah, o olhar do Tiu! [Link vídeo]. Eu vou levá-lo na memória por toda minha vida. Desde filhote, ele ficava sentado olhando para a gente, olho no olho, com uma cara de sério, mas, ao mesmo tempo, tranquilo. Nessa hora, se eu o chamasse, fazendo o gesto com a mão – ou, quando ele perdeu sua visão, o puxasse levemente pela cabeça em minha direção –, ele vinha balançando o rabo para receber um carinho. Teve um dia que, ele já estava bem velho, mas ainda enxergando, ficamos nos olhando um bom tempo. Eu lhe fiz uns carinhos na cabeça e disse para ele: "vai ser foda quando você não estiver mais aqui, carinha". Ele me deu a pata. Tiu gostava de se mostrar amigo, dando a pata. Tudo que eu queria agora seria segurar na sua pata, meu amigão...

    Perco hoje um membro da família e uma parte de mim. A dor é sem igual. Faz-se presente com toda a força o que o filósofo Sartre chama da “presença da ausência” em todos os cantos da casa e em muitos outros lugares. São tantas histórias, tantos momentos! Sei que você foi feliz, meu grande amigo! E eu também, por ter compartilhado esse precioso tempo contigo. Foi um privilégio! Nem cabe em palavras. A nossa conexão ia muito além de um humano com seu cachorro, era uma ligação de alma! Quem sabe não existe um lugar onde um dia a gente vá se encontrar? Se não, fui pleno ao seu lado. Obrigado por tudo, Tiu!


[Texto escrito de 21 para 22/04/2025 – tendo sido revisado, com alguns complementos, até à presente publicação].

sábado, 23 de novembro de 2024

MONTALVÂNIA - MG : como cidades ganham vida!

    Escrever é, de certa forma, falar consigo mesmo. É, antes de mais nada, uma arte. É fazer uma reflexão e deixar que o outro (você, leitor) participe dela. Como não usar essa habilidade, que é quase um dom, para não falar e registrar um momento tão significante em sua vida? Por isso, esse texto está sendo escrito; já de forma tardia, é verdade. Trata-se de uma tentativa de abarcar parte da experiência que tive morando em Montalvânia – MG, no ano de 2023.

Fui para Montalvânia – cidade que eu nunca tinha ouvido falar antes –, sem qualquer planejamento prévio. Passei no concurso para policial civil e, ao final do curso de formação, tive que escolher entre ir ou exonerar. Escolhi ir. Joguei as coisas na mala e fui.
Minas Gerais é um país! Foram 15 horas dentro de um ônibus até chegar lá! Passando com ônibus e tudo por uma balsa. Como foi encantador ver o Rio São Francisco pela primeira vez! Ele é imponente! Tão largo, tão deslumbrante e, ao mesmo tempo, tão calmo e tranquilo. Em uma palavra: místico.
Cheguei em Montalvânia. Cansado da viagem, fui direto para a pensão que eu já tinha reservado. Tudo diferente. Todos os olhares sobre mim. Outro mundo! Cada ponto que eu escrever aqui, se eu detalhar e aprofundar, daria um texto no mínimo do tamanho desse. Mas aqui não pretendo escrever um livro. O objetivo em mente, ao menos agora, é registrar esse resumo para mim e para quem quiser compartilhar dessa vivência que tive. [De antemão, não te engano, caro leitor e cara leitora, essa vivência é indescritível. Se eu conseguir atingir perto do alvo nessa empreitada, como disse Wittgenstein ao escrever o Tractatus, já estarei satisfeito].


         Muito curioso pensar a logística de uma cidade pequena e de uma metrópole como BH. São prós e contras, como tudo. Perdas e ganhos. Mas é muito interessante como tudo é bem diferente. Assim, ser humano é ser humano em todo lugar, mas a riqueza cultural desse nosso Brasilzão, em especial da nossa Minas Gerais, não está no gibi! A grande maioria do povo da região metropolitana de Belo Horizonte não faz ideia de como é o Norte de Minas. O povo passional, amigo, as relações mais próximas e diretas, o jeito diferente de falar, a carne de sol, o suco de tamarindo, as linguiças apimentadas, a beleza natural e as músicas da região, para sempre na memória e no coração. Mas se eu fosse resumir essa diferença – falar dela propriamente também daria um outro texto –, é como se em BH reinasse o anonimato; em cidade pequena, o “todo mundo conhece todo mundo”, onde se tem mais intensidade nos afetos diários.

Tive o privilégio de ter uma senhoria que era uma verdadeira mãe para nós. Dona Néia! Obrigado por todo o carinho, por estar sempre à disposição para nos ajudar, por tudo. Senti-me abraçado por ela desde o primeiro momento. E foi assim durante toda a minha permanência na cidade. Dona Néia é pau para toda obra, sempre cuidando de todos ao seu redor, com todo amor; o que inclui seus cãezinhos. Vi Chiquinho, seu mais novo mascote, nascer e crescer. Ele era muito curioso. Assim como o neto de Dona Néia, João, uma das crianças mais articuladas que conheci.
O povo de Montalvânia, em um primeiro momento, é um povo desconfiado, mas, assim que te conhece, te trata como um amigo de décadas. Cada lugar que eu ia, com um pouco mais de frequência, acabava fazendo amigos valorosos, que levarei do lado esquerdo do peito. Foi assim na pizzaria; um salve para o Paulo! Foi assim no restaurante; um salve para a Tainá e para o Lucas! Foi assim na autoescola; um salve para a Marialva, para o Pedro e para a Natália. Foi assim com o pessoal da quadrilha junina; um salve para a Tatiele. Foi assim no sacolão; um salve para o Daniel. Foi assim nos Correios; um salve para o Santana. Foi assim com meus vizinhos; um salve para Miguel e Patrícia! Foi assim no supermercado; um salve para a Franciele e para a Bruna. Foi assim na escola de Poções, onde lecionei Filosofia; um salve para todos de forma geral  quanto aluno bacana! Que troca legal em sala de aula! Sempre tive vontade de ter a experiência de lecionar em um distrito do interior, como Poções. Foi assim no próprio povoado mesmo de Poções, um lugar aconchegante e encantador, transbordando ainda mais proximidade e tradição; um salve especial para Aline. Foi assim nos bares do rio Cochá; um salve para o Liu, grande amigo, sempre com as portas da sua casa aberta e sempre muito prestativo! Foi assim na quadra de esportes (que deixa no chinelo muitos espaços  privados que temos por aqui e nunca vi um público igual); um salve para o mágico Harlem e para a turma do ping-pong. No Fórum; um salve para a equipe de segurança e o pessoal do MP. E foi assim em vários outros lugares; um salve para todos que esqueci de mencionar aqui. Propositalmente, não mencionei o pessoal da Delegacia, pois, a seguir, falarei detidamente sobre.


O trabalho na Delegacia foi desafiador! Tudo novo. Tanto no quesito de trabalhar como policial, como desbravar a cidade e seus arredores. Essa história sim dá um baita livro! Talvez eu vá mesmo escrevê-lo, em breve. Casos e aventuras dos mais diversos possíveis, onde se faz de tudo como policial. Fato é que passei dificuldades e também tive momentos gratificantes, impagáveis. Muito aprendizado! Conheci as terras chamadas "Gerais"; onde se anda quilômetros em estradas de terra sem ver ninguém, sem ter se quer sinal de celular. Pude fazer dois grandes amigos para a vida, muito mais do que colegas de trabalho: Silvana e Marden. Marden foi um verdadeiro irmão durante todo esse tempo. Uma das pessoas mais bacanas que já conheci! Um salve também para minha amiga Bia! Sinto falta dos seus lanches e de te escutar cantando, o que ajudava a deixar o ambiente da delegacia mais leve. Um salve também ao Diogo e ao Neuzivaldo!
Marden era meu vizinho de casa e, assim como eu, professor do ensino médio. E lecionamos matérias afins: eu, Filosofia; ele, Sociologia. Nossa prosa sempre rendeu. Sempre fomos companhia um para o outro. Muito massa encontrar no ambiente de trabalho alguém com visões de mundo e políticas bem parecidas com as suas. Tive esse privilégio! Aprendi muito com o Marden. Conheci boa parte da região e dos costumes locais rodando com ele na viatura. Valeu por tudo, irmão! Um salve a você e a Silvana! Silvana sempre prestativa e atenciosa. Silvana tem uma história de vida na polícia que é inacreditável! Passou por tudo e se manteve de pé! Uma sobrevivente nata! Gosto muito de você, minha cara!
Como foi memorável participar da festa da cidade de Montalvânia! Primeiro, trabalhando como policial, onde o ônibus da PCMG esteve dando um reforço para nós; foi muito massa conhecer o trabalho do pessoal da equipe de eventos. Depois, curtindo a festa mesmo; como é algo esperado e grandioso na cidade! Eventos grandes assim são raros, o que torna tudo muito mais marcante e intenso para todos.

     Foi em Montalvânia - MG que aprendi a dirigir e fiz autoescola pela primeira vez. Saudades de dirigir nas ruas com nomes de filósofos! [Sim, coincidência louca! Todos os nomes das ruas me faziam sentir em casa, rs.]. Obrigado, Marialva e Pedro, pelos ensinamentos. Parceria total! Melhores instrutores que existem!
Ficar longe de casa é muito pesado. Sobretudo quando não se planeja a mudança radical. Então, apesar de gostar de Montalvânia, a saudade batia forte. Sem contar que, em cada viagem, era uma fortuna gasta com passagem. Então eu iria pedir uma remoção para BH, assim que fosse possível. E assim o fiz.
A última semana em Montalvânia foi muito singular. Foi uma das coisas mais peculiares que vivi. Guardada as devidas proporções, a sensação era similar a estar com uma doença mortal: ter uma semana de vida. Ver cada lugar e cada pessoa pela última vez, a julgar pela dificuldade de visitar, foi muito estranho, para dizer o mínimo. Sem exageros, foi uma "prévia", um simulacro, de deixar a vida. Olhar para um lugar, estar com alguém, sentir as águas do rio, dar comida para um cão de rua, comer em um lugar que gosta, despedindo de tudo e todos; não é fácil. Peito aperta. Fiz questão de ir em todos os lugares especiais para mim e marcantes na cidade. E, finalmente, visitei a cachoeira de Miravânia  valeu demais pela carona, Lucas! , uma das últimas cidades da região que me faltava visitar. O acesso a ela não foi nada fácil, depois passei a noite em claro, arrumando as malas, mas valeu a pena cada segundo.

     Conheci o memorial do Montalvão antes de partir, onde eu pude inteirar-me mais da história de vida do fundador da cidade. Infelizmente, não pude despedir de todo mundo, mas se torna mais motivos para visitar. Montalvânia faz parte de mim. Levarei os aprendizados e a memória desse tempo para toda a vida. 
Apesar da distância e da dificuldade de ir até lá, visitarei sim! Grande abraço, Montalvânia! Grande abraço, povo cochanino!

*Texto escrito em novembro de 2023; tendo o sentimento se mantido o mesmo até agora, ao publicá-lo.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Vá em paz, Jéssica! Com carinho, seu professor e amigo.


     Hoje recebi, de surpresa, a pior notícia que um professor pode ter: a de que um aluno querido foi assassinado.
     JÉSSICA SABRINE DA SILVA, um anjo. Tão meiga. Tão jovem. Tão injusto. Tão cruel. Teve sua vida ceifada, aos 22 anos, por um ser que não merece ser chamado de humano. O ódio e a revolta transbordam só de pensar nesse verme, que não sei quem é, mas não perderei mais se quer uma linha falando dele. Esse texto é um compartilhar, um desabafar, mas também uma homenagem a minha querida aluna Jéssica.
     Jéssica era uma menina linda, carinhosa, inteligente, amiga de todos, cheia de sonhos. Sem dúvidas uma das mais inteligentes e gente boa para as quais eu tive o prazer de lecionar, ou melhor, de compartilhar a sala de aula, de aprender junto, enquanto se ensina. Nunca vou esquecer os olhares atentos da Jéssica, sua curiosidade nata, seu interesse pela Filosofia, suas participações e comentários. Jéssica era tão boa aluna que até quando ela não tinha estudado ou faltado na aula, ainda fazia um dos melhores trabalhos e provas.
     Quando a Jéssica não estava presente, a aula era mais pobre. Não que ela não tivesse colegas inteligentes e divertidos, mas o seu carisma e inteligência eram demais! Eram contagiantes. Eu costumo dar um mimo para o aluno que mais se destaca da turma, quem ganhou da turma dela? A Jéssica, claro! Dei para ela uma paçoquinha, rs. Depois ela me deu um pirulito, como retribuição. Ela era sempre assim, compartilhava as coisas, era querida por todos ao redor.
     Você não deveria ter ido, Jéssica! Eu não consigo acreditar, aceitar, conformar. É preciso seguir em frente, mas que golpe duro dessa vida! Tive a notícia, que me deixou sem chão, no intervalo das aulas. Está trabalhando comigo, nessa nova escola, um professor que também trabalhou na escola em que a Jéssica estudou. Ele também deu aula para ela. E, em meio a conversas sobre a nossa antiga escola, ele perguntou se eu estava sabendo da nossa ex-aluna que morreu há pouco. Eu respondi que não. Ele falou que passou na TV e tudo. Disse que ela chamava Jéssica. Eu imaginei qualquer outra, menos a Jéssica. Até quando ele me mostrou a foto dos jornais, onde ela aparece com os cabelos escuros, em vez de claros, como eu sempre a vi, não dava para acreditar que era a Jéssica. Pensei comigo: “se parece muito com a Jéssica, mas não é ela, não pode ser ela!”. Imediatamente mandei uma mensagem para uma outra aluna querida, que era muito amiga da Jéssica. Ela não respondeu de imediato. Não dava para esperar, liguei, ela atendeu. E confirmou que se tratava de Jéssica... Não podia ser, mas era. Meu mundo caiu.
     Fiquei arrasado, praticamente em estado de choque, e eu tinha que dar aula no próximo horário. Entrei para a sala, primeira vez naquela turma. Fiz algo que nunca faço no primeiro dia: só disse meu nome, voz embargada, e enchi automaticamente o quadro, copiando o primeiro texto que estava na minha pasta do celular. Não dava para falar nada. Os alunos dispersando, saindo de sala e eu não estava nem aí. Por uns momentos foi como se eu não estivesse ali mesmo, minha mente só pensava na Jéssica. Terminei de encher o quadro e fui para a mesa calado. Sentei ali, quase em transe, imaginando o que ouvi ao telefone. Saí do torpor com a diretora entrando na sala e dando uma dura nos meninos que tinham saído aos montes. Aí cheguei para os alunos e dei a real; disse que eu nunca começo um curso daquele jeito. Isso aconteceu porque eu tinha acabado de saber que uma tão querida ex-aluna minha tinha sido assassinada. Que era para eles valorizarem a vida e não ficar perdendo tempo com picuinhas.
     Eu ainda não consigo acreditar. Não dá para aceitar que é verdade. Um professor amigo, que deu aula para ela também, junto comigo em 2022, e que ainda continua trabalhando na mesma escola, disse-me depois que ela havia conseguido um notão no ENEM – surpresa zero para mim –, que iria fazer Ciências Sociais na UFMG. E Jéssica foi aluna do EJA (Educação de Jovens e Adultos)! Conseguiu isso estudando metade do tempo no ensino médio e passando em seu primeiro vestibular! E sem estudar para a prova. Ela era muito inteligente! E como escrevia bem. Arrebentou na redação! É tudo tão injusto, tão desproporcional, chega a ser a prova do absurdo do mundo.
     Estava lembrando do clipe daquela música do Nickelback, “Savin’ Me”. Quão assustador seria olhar para aquele anjo, cheio de vida, com tanta graciosidade, que era a Jéssica, e ver tão pouco tempo restante. A gente não conseguiria viver com aquela visão do clipe. (Para quem ainda não assistiu, nele as pessoas tem o tempo de vida em cima de suas cabeças).
     A dor de uma injustiça dessas é terrível. Perder a Jéssica assim, é simplesmente indizível. Faz a gente até refletir sobre a profissão de professor. Normalmente já temos um envolvimento com todos, mas tem aqueles alunos que são especiais, que marcam, Jéssica era indiscutivelmente um deles. Não só para mim, mas para todos que teve o prazer de lecionar para ela. Como é complicado passar por isso. A gente sabe que infelizmente perdermos muitos jovens assassinados, alguns, até antevemos que poderão ser os próximos, por entrarem para o crime, para as drogas, pelas companhias, brigas e etc., mas esse não era o caso da Jéssica, muito pelo contrário! Ela não tinha qualquer envolvimento que pudesse ir para essa linha. Era uma menina 100% do bem. Que sua memória seja uma força contra o feminicídio! Farei tudo o que eu puder!
     Vou sempre lembrar do seu sorriso, das suas perguntas, da sua voz doce, da sua leveza, do seu jeito de ser. Sei que estará presente para sempre nos corações daqueles que tiveram o prazer de compartilhar esse mundo contigo. Foi muito pouco tempo, mas foi impagável! Como dizia Santo Agostinho: “a dor de ter perdido, não supera a alegria de um dia ter possuído”. Com todo o carinho desse mundo, seu professor e amigo, Moisés Prado Sousa.

Ps: fui duro na correção dos trabalhos da Jéssica que estão anexos (link), porque eu sabia de todo o potencial que ela tinha. O primeiro ano dela foi só elogios, quase tudo total, perfeito! Felizmente pude entregar esses trabalhos do primeiro ano a ela e dizer pessoalmente parabéns. Mas é incrível como até quando não levava os trabalhos como ela podia, sem qualquer esforço, ainda tirava ótimas notas. Acabei nunca te entregando esses trabalhos do segundo ano, mas acabou sendo bom para ter aqui um pouquinho mais de você. Você sempre foi 10, meu anjo! Que você encontre a paz que merece!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Posse histórica do terceiro mandato do Lula - in loco

Estar ali, onde o verdadeiro mito tomou posse do seu terceiro mandato presidencial, depois de todas as injustiças que ele passou, é histórico! É aquele momento que você sempre será grato por ter vivido! Que sempre marcará a sua vida! Que venham tempos melhores para o povo brasileiro! Que possamos enfrentar diariamente as abissais desigualdades socioeconômicas. Que Lula continue sendo um exemplo de luta! Pela força e voz do trabalhador e de todos os que são silenciados desde o nascimento. As coisas não mudarão da noite para o dia. Não somos ingênuos. Mas se renova a esperança! Renova-se a democracia! O norte da caminhada. Temos novamente um trabalhador, retirante nordestino, no poder! Viva a liberdade, a educação, a ciência, os Direitos Humanos e tudo de bom e necessário que representa esse momento ímpar na história do Brasil! Salve Lula! Salve a esse legítimo ícone histórico mundial, que tanto representa para esse país! Que tanto representa para os mais pobres! A luta continua. Mas demos novamente um grande passo! LULA, GUERREIRO, DO POVO BRASILEIRO! #lulapresidentedenovo @lulaoficial (Texto escrito em 02/01/2023).