terça-feira, 19 de abril de 2022

Transfobia na UFMG? Defesa da Professora Lívia Guimarães

     Transfobia, em todas as áreas da sociedade, é um fato que tem que ser combatido e extirpado. Faço coro a essa luta. Não obstante, o verdadeiro linchamento à professora Lívia Guimarães, a julgar pelo relato, pela nota do Cafca, e pela vivência que tive com ela, é despropositado.

     A aluna trans certamente estava de máscara, talvez a Lívia perguntou se ela era um homem exatamente para saber qual pronome usaria. A Lívia faz as apresentações temáticas sempre com um sorriso; quem a conhece, sabe disso. Sempre buscando ser cordial e amiga. Nada demais ou diferente até aí.

     O relato diz que "os alunos foram chegando e a aula começou", então foi uma conversa antes da aula, não uma exposição da pessoa. O que condiz com a discrição que sempre vi na professora Lívia. Não é legal perguntar a uma pessoa trans se ela é trans, mas a situação de usar o nome social na UFMG é recente, talvez, nesses quase trinta anos como docente do Departamento de Filosofia, a professora Lívia nunca teve alunas ou alunos trans e não soube como agir. Isso é embaraço, não discriminação. Chamar de transfobia essa questão, a meu ver, é inclusive tirar força de denúncia das verdadeiras e criminosas atitudes de transfobia.

     Dizer que estão "causando problemas" pode ter vários sentidos, vários contextos, e não significa dizer que a iniciativa e a culpa são das pessoas trans e, menos ainda, de que está do lado dos indivíduos que se sentem incomodados pela presença ou questões das pessoas trans. Eu costumo dizer que causei um problemão para o Departamento de Filosofia da UFMG, para ter continuidade de estudos para licenciatura no noturno, e o problema definitivamente não estava em mim! rs

     A discussão de como fazer a inclusão das pessoas trans nos esportes de alto rendimento é algo que não tem consenso, nem entre as próprias pessoas trans. Certamente elas têm que ser inclusas, mas é preciso pensar em como fazer, testar, sem encarar como algo de solução simplória. É tão complexo que deve-se olhar cada esporte, cada modalidade, cada categoria, cada pessoa. Por exemplo: baixo nível de testosterona no sangue coloca mulheres trans em condições similares de força e velocidade, mas não afeta na altura. O que pode ser um problema desnivelador para o vôlei (onde inclusive a altura da rede no feminino é menor), não é para o tênis, por exemplo. Usar pronomes masculinos para a mencionada atleta trans foi um erro, mas as pessoas não mudam vícios de linguagem da noite para o dia; a questão é se ela quis ser ofensiva. Pelo que conheço da Lívia – fui orientando dela por mais de 4 anos na Pós-Graduação e participei de grupos de estudos por mais de 3 anos na Graduação, de forma alguma eu imaginaria isso!

     Numa aula, não dá para abordar tudo. Isso é evidente, mas, quando a gente é professor, isso é ainda mais nítido. Deixamos coisas de fora por esquecimento na hora, por não dominarmos um determinado tópico ou por não caber no tempo mesmo. Somos humanos e estamos a todo momento, ali, na frente de todos, expostos às mais diversas interpretações. Enfim, foi intencionalmente negado a abordar os sofrimentos (inegáveis) que pessoas trans passam na cadeia ou ela apenas escolheu tocar em um exemplo específico, para um argumento específico, que foi o caso real, de alguns anos atrás, da estupradora trans, de alta repercussão? Qual ponto ela queria frisar? Não estava comentando um autor em particular? Se ela generalizou, foi um erro. Mas, novamente, não é um problema de fácil solução. Essa referida mulher trans estupradora é exceção, mas o que fazer para evitar esse tipo de caso? Percebe a complexidade da questão? Tudo que envolve separação de presos, já não é nada simples! Trazer o debate poderia mostrar de forma clara esse ponto de vista das pessoas trans que sofrem em presídios para a professora, poderia a fazer ver de outra forma. É preciso dialogar! Entendo que se trata de uma caloura, toda a tensão que ela estava no momento, mas não vejo como algo construtivo calar e acusar depois.

     Referindo-me diretamente a você, Sol, penso que sua "impressão de que a professora na verdade pensa que essas pessoas trans são ‘homens’ disfarçados e degenerados, estupradores que querem roubar o lugar das mulheres cis", a partir do erro pronominal, é um salto muito grande, minha cara. Claro que não é legal e pode ser ofensivo chamar uma pessoa trans pelo pronome oposto, mas isso é algo que até familiares, que não são transfóbicos, acabam caindo, pelo hábito. Não é melhor corrigi-los e mostrar o erro? Não há necessariamente maldade em todas as pessoas que possam fazer essa troca.

     Bem, de fato há diferenças físicas entre homens e mulheres, certo? O comportamento e a sexualidade, sejam eles quais forem, são que não estão vinculados ao sexo. Eles colocaram de que forma isso? Pejorativamente? Não vou opinar nesse ponto, pois você não explicou o que aconteceu para sentir o referido “nojo”.

     Você tem toda razão em dizer que não dá para normalizar transfobia, matando ou não pessoas trans, o que, tristemente, é outro fato. Mas foi o que a Lívia fez? Li mais de uma vez o seu relato e não vi isso. Espero que você tenha dias melhores na Universidade e mesmo coloque para a Lívia, pessoalmente, a sensação que você teve. Tenho certeza que você terá outra impressão! Poucos professores dão tão abertura para alunas e alunos como a professora Lívia. Tratando a todas e todos em igual patamar e literalmente como amigos.

     Quanto à nota e solicitação de assinaturas, antes de mais nada, eu não entendo como a Universidade exclui a entrada de pessoas trans. Elas estão em menor porcentagem na UFMG do que na sociedade? Eu não percebo. Mas impressão própria é pouco para se julgar isso; é preciso fazer esse levantamento, antes de qualquer coisa. Se sim, ok. Gostaria de ouvir, quando for oportuno, os argumentos para implementar “cota trans”. A discriminação no mercado de trabalho seria diferente com qualificação do trabalhador ou da trabalhadora trans?... Sobre a professora Lívia, primeiro seria preciso, no mínimo, ouvi-la. Luta por um tema nobre, “cancelamento” antecipado e injusto de uma das maiores representantes do quadro de professores da UFMG, influenciando os mais irreplicáveis xingamentos a ela na internet. Trata-se de uma ótima profissional e pessoa, mas eu não defendo ninguém cegamente, basta mostrarem qual o fato concreto, além de “impressões”. Simplesmente, não há.

     A Filosofia é atacada diuturnamente por quem é de fora, agora, atropeladamente, por quem é de dentro. Qual será o futuro desse curso, de seus formados e formandos? Assim, sem diálogo se quer, o desaparecimento.

[PS: Meu texto/comentário é referente à postagem: https://www.instagram.com/p/CcgZc8tO8NT/ ]