quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Vá em paz, Jéssica! Com carinho, seu professor e amigo.


     Hoje recebi, de surpresa, a pior notícia que um professor pode ter: a de que um aluno querido foi assassinado.
     JÉSSICA SABRINE DA SILVA, um anjo. Tão meiga. Tão jovem. Tão injusto. Tão cruel. Teve sua vida ceifada, aos 22 anos, por um ser que não merece ser chamado de humano. O ódio e a revolta transbordam só de pensar nesse verme, que não sei quem é, mas não perderei mais se quer uma linha falando dele. Esse texto é um compartilhar, um desabafar, mas também uma homenagem a minha querida aluna Jéssica.
     Jéssica era uma menina linda, carinhosa, inteligente, amiga de todos, cheia de sonhos. Sem dúvidas uma das mais inteligentes e gente boa para as quais eu tive o prazer de lecionar, ou melhor, de compartilhar a sala de aula, de aprender junto, enquanto se ensina. Nunca vou esquecer os olhares atentos da Jéssica, sua curiosidade nata, seu interesse pela Filosofia, suas participações e comentários. Jéssica era tão boa aluna que até quando ela não tinha estudado ou faltado na aula, ainda fazia um dos melhores trabalhos e provas.
     Quando a Jéssica não estava presente, a aula era mais pobre. Não que ela não tivesse colegas inteligentes e divertidos, mas o seu carisma e inteligência eram demais! Eram contagiantes. Eu costumo dar um mimo para o aluno que mais se destaca da turma, quem ganhou da turma dela? A Jéssica, claro! Dei para ela uma paçoquinha, rs. Depois ela me deu um pirulito, como retribuição. Ela era sempre assim, compartilhava as coisas, era querida por todos ao redor.
     Você não deveria ter ido, Jéssica! Eu não consigo acreditar, aceitar, conformar. É preciso seguir em frente, mas que golpe duro dessa vida! Tive a notícia, que me deixou sem chão, no intervalo das aulas. Está trabalhando comigo, nessa nova escola, um professor que também trabalhou na escola em que a Jéssica estudou. Ele também deu aula para ela. E, em meio a conversas sobre a nossa antiga escola, ele perguntou se eu estava sabendo da nossa ex-aluna que morreu há pouco. Eu respondi que não. Ele falou que passou na TV e tudo. Disse que ela chamava Jéssica. Eu imaginei qualquer outra, menos a Jéssica. Até quando ele me mostrou a foto dos jornais, onde ela aparece com os cabelos escuros, em vez de claros, como eu sempre a vi, não dava para acreditar que era a Jéssica. Pensei comigo: “se parece muito com a Jéssica, mas não é ela, não pode ser ela!”. Imediatamente mandei uma mensagem para uma outra aluna querida, que era muito amiga da Jéssica. Ela não respondeu de imediato. Não dava para esperar, liguei, ela atendeu. E confirmou que se tratava de Jéssica... Não podia ser, mas era. Meu mundo caiu.
     Fiquei arrasado, praticamente em estado de choque, e eu tinha que dar aula no próximo horário. Entrei para a sala, primeira vez naquela turma. Fiz algo que nunca faço no primeiro dia: só disse meu nome, voz embargada, e enchi automaticamente o quadro, copiando o primeiro texto que estava na minha pasta do celular. Não dava para falar nada. Os alunos dispersando, saindo de sala e eu não estava nem aí. Por uns momentos foi como se eu não estivesse ali mesmo, minha mente só pensava na Jéssica. Terminei de encher o quadro e fui para a mesa calado. Sentei ali, quase em transe, imaginando o que ouvi ao telefone. Saí do torpor com a diretora entrando na sala e dando uma dura nos meninos que tinham saído aos montes. Aí cheguei para os alunos e dei a real; disse que eu nunca começo um curso daquele jeito. Isso aconteceu porque eu tinha acabado de saber que uma tão querida ex-aluna minha tinha sido assassinada. Que era para eles valorizarem a vida e não ficar perdendo tempo com picuinhas.
     Eu ainda não consigo acreditar. Não dá para aceitar que é verdade. Um professor amigo, que deu aula para ela também, junto comigo em 2022, e que ainda continua trabalhando na mesma escola, disse-me depois que ela havia conseguido um notão no ENEM – surpresa zero para mim –, que iria fazer Ciências Sociais na UFMG. E Jéssica foi aluna do EJA (Educação de Jovens e Adultos)! Conseguiu isso estudando metade do tempo no ensino médio e passando em seu primeiro vestibular! E sem estudar para a prova. Ela era muito inteligente! E como escrevia bem. Arrebentou na redação! É tudo tão injusto, tão desproporcional, chega a ser a prova do absurdo do mundo.
     Estava lembrando do clipe daquela música do Nickelback, “Savin’ Me”. Quão assustador seria olhar para aquele anjo, cheio de vida, com tanta graciosidade, que era a Jéssica, e ver tão pouco tempo restante. A gente não conseguiria viver com aquela visão do clipe. (Para quem ainda não assistiu, nele as pessoas tem o tempo de vida em cima de suas cabeças).
     A dor de uma injustiça dessas é terrível. Perder a Jéssica assim, é simplesmente indizível. Faz a gente até refletir sobre a profissão de professor. Normalmente já temos um envolvimento com todos, mas tem aqueles alunos que são especiais, que marcam, Jéssica era indiscutivelmente um deles. Não só para mim, mas para todos que teve o prazer de lecionar para ela. Como é complicado passar por isso. A gente sabe que infelizmente perdermos muitos jovens assassinados, alguns, até antevemos que poderão ser os próximos, por entrarem para o crime, para as drogas, pelas companhias, brigas e etc., mas esse não era o caso da Jéssica, muito pelo contrário! Ela não tinha qualquer envolvimento que pudesse ir para essa linha. Era uma menina 100% do bem. Que sua memória seja uma força contra o feminicídio! Farei tudo o que eu puder!
     Vou sempre lembrar do seu sorriso, das suas perguntas, da sua voz doce, da sua leveza, do seu jeito de ser. Sei que estará presente para sempre nos corações daqueles que tiveram o prazer de compartilhar esse mundo contigo. Foi muito pouco tempo, mas foi impagável! Como dizia Santo Agostinho: “a dor de ter perdido, não supera a alegria de um dia ter possuído”. Com todo o carinho desse mundo, seu professor e amigo, Moisés Prado Sousa.

Ps: fui duro na correção dos trabalhos da Jéssica que estão anexos (link), porque eu sabia de todo o potencial que ela tinha. O primeiro ano dela foi só elogios, quase tudo total, perfeito! Felizmente pude entregar esses trabalhos do primeiro ano a ela e dizer pessoalmente parabéns. Mas é incrível como até quando não levava os trabalhos como ela podia, sem qualquer esforço, ainda tirava ótimas notas. Acabei nunca te entregando esses trabalhos do segundo ano, mas acabou sendo bom para ter aqui um pouquinho mais de você. Você sempre foi 10, meu anjo! Que você encontre a paz que merece!