Escrever é, de certa forma, falar consigo mesmo. É,
antes de mais nada, uma arte. É fazer uma reflexão e deixar que o outro (você,
leitor) participe dela. Como não usar essa habilidade, que é quase um dom, para
não falar e registrar um momento tão significante em sua vida? Por isso, esse
texto está sendo escrito; já de forma tardia, é verdade. Trata-se de uma
tentativa de abarcar parte da experiência que tive morando em Montalvânia – MG,
no ano de 2023.
Fui para Montalvânia – cidade que eu nunca tinha
ouvido falar antes –, sem qualquer planejamento prévio. Passei no concurso para policial civil e, ao final do curso de formação, tive que escolher entre ir ou exonerar.
Escolhi ir. Joguei as coisas na mala e fui.
Minas Gerais é um país! Foram 15 horas dentro de um
ônibus até chegar lá! Passando com ônibus e tudo por uma balsa. Como foi
encantador ver o Rio São Francisco pela primeira vez! Ele é imponente! Tão
largo, tão deslumbrante e, ao mesmo tempo, tão calmo e tranquilo. Em uma
palavra: místico.
Cheguei em Montalvânia. Cansado da viagem, fui
direto para a pensão que eu já tinha reservado. Tudo diferente. Todos os
olhares sobre mim. Outro mundo! Cada ponto que eu escrever aqui, se eu detalhar
e aprofundar, daria um texto no mínimo do tamanho desse. Mas aqui não pretendo
escrever um livro. O objetivo em mente, ao menos agora, é registrar esse resumo
para mim e para quem quiser compartilhar dessa vivência que tive. [De antemão,
não te engano, caro leitor e cara leitora, essa vivência é indescritível. Se eu
conseguir atingir perto do alvo nessa empreitada, como disse Wittgenstein ao
escrever o Tractatus, já estarei satisfeito].
Muito curioso pensar a logística de uma cidade pequena e de uma metrópole como BH. São prós e contras, como tudo. Perdas e ganhos. Mas é muito interessante como tudo é bem diferente. Assim, ser humano é ser humano em todo lugar, mas a riqueza cultural desse nosso Brasilzão, em especial da nossa Minas Gerais, não está no gibi! A grande maioria do povo da região metropolitana de Belo Horizonte não faz ideia de como é o Norte de Minas. O povo passional, amigo, as relações mais próximas e diretas, o jeito diferente de falar, a carne de sol, o suco de tamarindo, as linguiças apimentadas, a beleza natural e as músicas da região, para sempre na memória e no coração. Mas se eu fosse resumir essa diferença – falar dela propriamente também daria um outro texto –, é como se em BH reinasse o anonimato; em cidade pequena, o “todo mundo conhece todo mundo”, onde se tem mais intensidade nos afetos diários.
Tive o privilégio de ter uma senhoria que era uma
verdadeira mãe para nós. Dona Néia! Obrigado por todo o carinho, por estar
sempre à disposição para nos ajudar, por tudo. Senti-me abraçado por ela desde
o primeiro momento. E foi assim durante toda a minha permanência na cidade.
Dona Néia é pau para toda obra, sempre cuidando de todos ao seu redor, com todo
amor; o que inclui seus cãezinhos. Vi Chiquinho, seu mais novo mascote, nascer
e crescer. Ele era muito curioso. Assim como o neto de Dona Néia, João, uma das
crianças mais articuladas que conheci.
O povo de Montalvânia, em um primeiro momento, é
um povo desconfiado, mas, assim que te conhece, te trata como um amigo de
décadas. Cada lugar que eu ia, com um pouco mais de frequência, acabava fazendo
amigos valorosos, que levarei do lado esquerdo do peito. Foi assim na pizzaria; um salve
para o Paulo! Foi assim no restaurante; um salve para a Tainá e para o Lucas!
Foi assim na autoescola; um salve para a Marialva, para o Pedro e para a
Natália. Foi assim com o pessoal da quadrilha junina; um salve para a Tatiele. Foi
assim no sacolão; um salve para o Daniel. Foi assim nos Correios; um salve para
o Santana. Foi assim com meus vizinhos; um salve para Miguel e Patrícia! Foi assim no supermercado; um salve para a Franciele e para a Bruna.
Foi assim na escola de Poções, onde lecionei Filosofia; um salve para todos de
forma geral – quanto aluno bacana! Que troca legal em sala de aula! Sempre tive vontade de ter a experiência de lecionar em um distrito do interior, como Poções. Foi assim no próprio povoado mesmo de Poções, um lugar aconchegante e encantador, transbordando ainda mais proximidade e tradição; um salve especial
para Aline. Foi assim nos bares do rio Cochá; um salve para o Liu, grande amigo, sempre com as portas da sua casa aberta e sempre muito prestativo! Foi assim na
quadra de esportes (que deixa no chinelo muitos espaços privados que temos por aqui e nunca vi um público igual); um salve para o mágico Harlem e para a turma do ping-pong. No Fórum; um salve para a
equipe de segurança e o pessoal do MP. E foi assim em vários outros lugares; um salve para todos
que esqueci de mencionar aqui. Propositalmente, não mencionei o pessoal da
Delegacia, pois, a seguir, falarei detidamente sobre.
O trabalho na Delegacia foi desafiador! Tudo novo.
Tanto no quesito de trabalhar como policial, como desbravar a cidade e seus
arredores. Essa história sim dá um baita livro! Talvez eu vá mesmo escrevê-lo,
em breve. Casos e aventuras dos mais diversos possíveis, onde se faz de tudo como policial. Fato é que passei dificuldades e também tive momentos gratificantes, impagáveis. Muito
aprendizado! Conheci as terras chamadas "Gerais"; onde se anda quilômetros em estradas de terra sem ver ninguém, sem ter se quer sinal de celular. Pude fazer dois grandes amigos para a vida, muito mais do que
colegas de trabalho: Silvana e Marden. Marden foi um verdadeiro irmão durante
todo esse tempo. Uma das pessoas mais bacanas que já conheci! Um salve também para minha amiga Bia! Sinto falta dos seus lanches e de te escutar cantando, o que ajudava a deixar o ambiente da delegacia mais leve. Um salve também ao Diogo e ao Neuzivaldo!
Marden era meu vizinho de casa e, assim como eu,
professor do ensino médio. E lecionamos matérias afins: eu, Filosofia; ele, Sociologia.
Nossa prosa sempre rendeu. Sempre fomos companhia um para o outro. Muito massa encontrar no ambiente de trabalho alguém
com visões de mundo e políticas bem parecidas com as suas. Tive esse
privilégio! Aprendi muito com o Marden. Conheci boa parte da região e dos
costumes locais rodando com ele na viatura. Valeu por tudo, irmão! Um salve a
você e a Silvana! Silvana sempre prestativa e atenciosa. Silvana tem uma
história de vida na polícia que é inacreditável! Passou por tudo e se manteve
de pé! Uma sobrevivente nata! Gosto muito de você, minha cara!
Como foi memorável participar da festa da cidade de
Montalvânia! Primeiro, trabalhando como policial, onde o ônibus da PCMG esteve
dando um reforço para nós; foi muito massa conhecer o trabalho do pessoal da
equipe de eventos. Depois, curtindo a festa mesmo; como é algo esperado e
grandioso na cidade! Eventos grandes assim são raros, o que torna tudo muito
mais marcante e intenso para todos.
Foi em Montalvânia - MG que aprendi a dirigir e fiz autoescola pela primeira vez. Saudades de dirigir nas ruas com nomes de filósofos! [Sim, coincidência louca! Todos os nomes das ruas me faziam sentir em casa, rs.]. Obrigado, Marialva e Pedro, pelos ensinamentos. Parceria total! Melhores instrutores que existem!
Ficar longe de casa é muito pesado. Sobretudo
quando não se planeja a mudança radical. Então, apesar de gostar de Montalvânia,
a saudade batia forte. Sem contar que, em cada viagem, era uma fortuna gasta
com passagem. Então eu iria pedir uma remoção para BH, assim que fosse
possível. E assim o fiz.
A última semana em Montalvânia foi muito singular. Foi
uma das coisas mais peculiares que vivi. Guardada as devidas proporções, a sensação era similar a estar com uma
doença mortal: ter uma semana de vida. Ver cada lugar e cada pessoa pela última
vez, a julgar pela dificuldade de visitar, foi muito estranho, para dizer o
mínimo. Sem exageros, foi uma "prévia", um simulacro, de deixar a vida. Olhar para um lugar,
estar com alguém, sentir as águas do rio, dar comida para um cão de rua, comer em um lugar que gosta, despedindo
de tudo e todos; não é fácil. Peito aperta. Fiz questão de ir em todos os
lugares especiais para mim e marcantes na cidade. E, finalmente, visitei a
cachoeira de Miravânia – valeu demais pela carona, Lucas! –, uma das últimas cidades da região que me faltava
visitar. O acesso a ela não foi nada fácil, depois passei a noite em claro, arrumando as malas, mas valeu a pena cada segundo.
Conheci o memorial do Montalvão antes de partir, onde eu pude inteirar-me mais da história de vida do fundador da cidade. Infelizmente, não pude despedir de todo mundo, mas se torna mais motivos para visitar. Montalvânia faz parte de mim. Levarei os aprendizados e a memória desse tempo para toda a vida. Apesar da distância e da dificuldade de ir até lá, visitarei sim! Grande abraço, Montalvânia! Grande abraço, povo cochanino!
*Texto escrito em novembro de 2023; tendo o sentimento se mantido o mesmo até agora, ao publicá-lo.