Ontem fui abordado por policiais militares que acompanhavam
um bloco carnavalesco na Av. Afonso Pena de Belo Horizonte – MG. Único motivo,
pasmem: ESTAR USANDO A CAMISA DO CORINGA!
Chegaram a três, dois deles maiores do que eu. O menor
aproxima bem perto de mim e já diz, sem o menor pudor: —“Tira essa camisa e coloca do avesso”.
(Isso mesmo, sem acrescentar uma palavra. Olha o nível!). Eu não entendendo
direito e não acreditando no absurdo que tinha ouvido, disse: —“como? Por quê?”.
No que ele responde: —“o palhaço é uma afronta ao policial, você
tem alguma tatuagem também?”. Eu retruco: —“isso não é um mero palhaço, é um personagem de
quadrinhos, o Coringa”. Já me cortando, ele diz: —“não me
interessa, para mim isso é um palhaço”. —“Eu não vejo assim”, respondo. Na
hora, com eles te cercando, a adrenalina vai a mil e você até perde boa parte
da sua linha de raciocínio, pois não interessava se era um palhaço ou se era
qualquer outra coisa (desde que não seja uma indiscutível apologia e/ou incitação ao crime, obviamente), não deveria se quer ter argumentado sobre a ignorância
dele em relação à peculiaridade que é um personagem específico. Bom, finalmente
eu disse: —“olha, eu não vou
virar a camisa e ficar andando como um molambo porque você quer”.
Nisso um dos grandões chega gritando: —“me passa seu documento! Você tem passagem?”.
Eu tirei, entreguei e ele quebrou a cara. Então ele disse, a seguir: —“estamos só
fazendo nosso trabalho, temos o direito de te abordar”. Eu respondi:
—“ok, você tem o
direito de me abordar e pedir o documento, mas não de me mandar virar a camisa
do avesso”. Ele, já quase vindo para cima de mim, responde: —“você quer me
ensinar a fazer meu trabalho?”. Eu respondo: —“não vou discutir com você, você escolhe quem abordar,
e eu não estou negando isso, mas pedir documento e revistar é uma coisa, o que
vocês estão pedindo é outra”. E ele continua: —“eu sou formado, você conhece direito, você
estudou?”. (O cara se achando o pica das galáxias por ser um
policial supostamente formado em Direito). Eu digo: —“conheço muito, cara, sei de trás para frente e
também sou formado, mestre em Filosofia, mas isso nem vem ao caso”. Aí,
ele começa a tentar se explicar: —“estamos pedindo isso porque se você ficar
usando ela assim, vai ser abordado toda hora, se você conhecesse um policial de
perto, saberia bem do que estou falando”. (Sim, o sujeito já julgou do
nada que eu não tinha proximidade alguma com policiais). Outra coisa que nem
compensava ter dito, mas, na hora, soltei quase que instintivamente: —“bom, eu não sei o que você está dizendo, mas
meu pai e meu avô foram policiais, eles não agiam assim”. Ele tinha
dado uns passos para trás, após eu dizer isso, volta enfurecido: —“você conhece o
nosso treinamento? Já esteve lá dentro? Sabe o que esses caras que usam palhaço
fazem? Eu não sei se você está usando com essa intenção, mas teve gente que já
morreu por isso!”. Olha o nível do treinamento da turminha! (Só depois
que tive a devida clareza que na última frase dele estava me fazendo uma ameaça velada). Eu já com o sangue quente, respondo: —“bom, se vocês são treinados para se preocuparem
com alguém que simplesmente está com uma camisa de ‘palhaço’, eu vou te contar,
viu! Aqui com certeza está acontecendo um monte de crimes e vocês perdendo
tempo com uma camisa!”. Por incrível que pareça, ele abaixa o tom de
voz e diz: —“você está no
seu direito, quer ficar com ela assim, fica, mas estamos avisando”.
Eu respondi: —“bom, essa é a sua opinião, eu tenho outra, e se vocês
quiserem me abordar, ok”. Nisso chega um quarto “elemento” (como
eles gostam de falar) fardado – o terceiro, o outro grandão que estava acompanhando
desde o início, nada disse –, e sem nem saber o que estava acontecendo repete,
como um papagaio: —“que contato que você tem com a polícia? Por
acaso sabe o que eles ensinam para a gente no treinamento?”. Respondo,
por fim: —“Eu não sei se você
ouviu, mas eu disse que meu pai e meu avô foram policiais, eu conheço a polícia e
suas dependências bem de perto, mas eu não tenho mais nada a dizer não, meu
caro, boa noite”. Ele responde de forma robótica, indo atrás dos
outros que já estavam saindo: —“você não entende nada”.
Cheguei ao local já no fim do evento, após a minha abordagem,
já havia quase que mais policiais que gente, eles estavam fazendo aquelas
rondas “toque de recolhida”, fiz questão de continuar com a camisa passeando
entre eles. Sei que era arriscado, mas eu estava tão puto que dei umas quatro
voltas ainda entre eles, questão de honra, se mais um chegasse a mim mandando
virar a camisa eu iria dar voz de prisão nele, por abuso de autoridade – sei que
não daria em nada, perderia tempo mofando em uma companhia de polícia para
abrir um B.O. inútil, isso na melhor das hipóteses, pois, sabe-se lá qual seria
a reação dele, seria uma exceção inominável se ele acatasse, claro, é infinitamente
mais provável o contrário, e ainda com uso de extrema violência e agressões diversas,
como temos visto, convenhamos, mas eu estava disposto a pagar pra ver. Teve uma hora que passei por aqueles que me
abordaram, os ouvi de soslaio, dizendo: “o
folgado ainda está desfilando”. Os caras chamam de “folgado” aqueles que se
recusam a obedecer a seus mandos abusivos. De fato, não há conversa com
fascistas. Eles não sabem o que é diálogo.
No curto tempo que estive lá, os vi abordando várias
pessoas, sempre jovens negros e pobres. Vi um deles tomar a latinha de tíner
que um dos moleques estava cheirando, pisarem nela e mandar o garoto sumir da
frente deles. (Queria os ver fazer isso com os filhos dos bacanas nas áreas nobres
da cidade, tomar o cigarro de maconha desses playboys, pisar em cima e mandar
desaparecer da frente dele aos empurrões, mas enfim, usuário pobre é traficante,
até de tíner, que não é crime). Vi uma que foi um verdadeiro “cala a boca”: uns
dez jovens, homens e mulheres, estavam indo embora cantando, eles colaram no
grupo, mas eles continuaram a cantar, aí um dos policiais deu um berro: “todo
mundo pra parede, porra!” – eles ficaram lá, naquela posição vexatória com as
mãos na cabeça até quase na hora que saí, depois, os jovens foram embora
calados e cabisbaixos. Por fim, começaram a rodar com as viaturas e as motos no
meio do povo e a expulsar os vendedores ambulantes da rua.
Pois é, que situação! Os caras não têm nem receio de afirmar
que o treinamento deles é pautado por coisas desse tipo, tão ridículas e
insignificantes. Eles veem o símbolo do palhaço como um touro vê a bandeira
vermelha flamejante. Treinados para intimidar o cidadão e para cometerem abusos
de autoridade como se fosse a coisa mais normal do mundo, em uma palavra,
treinados para eliminar o suposto "inimigo", para a guerra, que não existe. Por essas e várias outras, a
Polícia Militar tem que acabar! Não dá mais! Não há espaço para militarismo em meio à sociedade atual. É preciso uma polícia que não se
julga acima do cidadão e que respeita as leis, ao invés de criá-las, a bel
prazer. Esse caso é mais uma das provas que não se trata de um “caso isolado”,
eles disseram que são treinados para
agir de tal forma com quem tem a figura de um palhaço. Mesmo que o símbolo do
palhaço represente criminosos associados à morte de policiais, como todos
sabem, eles não podem fazer nada em relação a isso, mesmo se o sujeito tatuar
tal de todo o tamanho com esse objetivo. Isso é mais do que despreparo, é não
ter condições mínimas para sair às ruas. Há um vídeo conhecido de um policial
torturando um rapaz, raspando a tatuagem de palhaço dele com uma faca, esse é o
ponto que pode chegar alguém que é treinado para agir como um cão-de-guarda,
obedecendo cegamente um comando. E quanto ao “apelido”, só pegou como pegou por
eles agirem assim. A mamãe não ensinou que a melhor forma de não deixar o
apelido pegar é não ligar para o que o coleguinha diz.
Antes que alguém argumente, já me antecipo na réplica, é
claro que há exceções, sempre há, até no Inferno há. Certamente existe aquele
policial que, mesmo ouvindo tudo o que seus colegas e superiores dizem sobre a
figura do palhaço, não será estúpido o bastante para ficar abordando até quem
está vestido de palhaço. Mas o problema aqui é o comprometimento, o fascismo
explícito, o autoritarismo absurdo, que surge no próprio treinamento, os
condicionando a fazer o que fizeram no meu caso (mesmo na eventualidade de nem
todos seguirem). Que, por sinal, como a gente vê dia após dia, poderia ter sido
muito pior, poderia estar machucado agora ou mesmo morto, por não ter seguido
as ordens abusivas deles, e provavelmente você que os defende a qualquer preço
estaria numa hora dessas convicto, falando sem mais: “bem feito, bandido bom é
bandido morto”. Mais uma vez, a única solução para a Polícia Militar, nos moldes atuais, é o seu
fim.
#ForaPMerda #DesmilitarizaçãoJá
Ps: Link do texto onde faço um breve resumo do que é a
desmilitarização: “Desmilitarização já!”.
Nossa Moisés, fiquei até assustada com seu depoimento. Talvez eu não perceba essas atitudes por ser mulher, eles agem diferente. se fosse eu cm a blusa do coringa provavelmente não teriam dito nada. Infelizmente, pelo que diz no seu depoimento, eles são treinados a combater pessoas com camisa ou tatuagem de coringa. Ae fica a questão né, treinados a combater ou treinados a temer quem apresenta um coringa? Thata http://cafecomtrufa.blogspot.com.br/
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