A cidade está fantasma. Clima de The Walking Dead, no Brasil, no mundo inteiro. Onde você está nesse
exato momento? Se está lendo o texto, dificilmente você faz parte destes
invisíveis. Vamos falar daquilo que a mídia não fala, chamar a atenção para os
lugares obscuros dessa nossa sociedade doente, não apenas pelo Corona, mas pela
indiferença humana.
Você aí no seu lar aconchegante, navegando na internet, vendo
filmes, lendo livros, escutando música, se distraindo com jogos e aproveitando
mais da sua família (daqui a algum tempo dificilmente você vai aguentar estar
com eles o tempo todo assim, ainda mais se a sua casa não for das maiores e com
crianças por perto, mergulhadas no tédio, mas enfim, falar isso sem papas na
língua chateia e seria outro assunto, eu sei), enquanto acompanham em uma mesa farta
as notícias sobre o Corona, já pensou a situação que está um vendedor ambulante
com a família dele, às vezes várias crianças em um, dois cômodos, sem renda
alguma e sem ter para quem vender nesse exato momento?
Pense agora nos moradores de rua, ou nas “pessoas em
situação de rua”, como queiram os eufemismos que nada resolvem. Moro, pelo
decreto, vai os mandar para “casa”? Só se for para sua casa, seu Moro! Aquele
que recebe auxílio moradia tendo moradia faraônica, como todos togados. Que
nojo! Que indignação! Voltando, imagine só comigo agora a condição deles, não
vão ter se quer a quem pedir, até as latas de lixo, bandeja de comer para muitos,
estarão vazias. Dei uma volta de bike pela cidade, quantos e quantos eu vi
fuçando o lixo, como ratos famintos. Você se atentou para isso? E os
guardadores/lavadores de carros na rua, e quem faz malabares ou vende no sinal,
com ninguém abrindo as janelas, vão viver de que? Esses já são excluídos do
olhar da maioria né, mas agora pode ser que finalmente comecem a aparecer, e certamente
não vai ser para acenar sorrindo. Ah! E como são muitos!
Todos os trabalhadores autônomos estão em situação
complicada, cabelereiros, barbeiros, pedreiros, vendedores, diaristas, professores
particulares, advogados, seja qualificado ou não, certamente enfrentarão
problemas. Mas você olha para muitos outros e não os enxerga de verdade, é com
o foco nesses que escrevo esse texto. “Olha, mas não vê”, como diz o livro da
capa preta que você acredita, ou finge que acredita, já que não faz nada pelos
desfavorecidos, como um certo cabeludo barbudo “comunista” que foi assassinado ensinou.
Realmente já refletiu sobre o que está acontecendo nos supermercados? Depois
que você coloca as compras no carro, aquelas pessoas não desaparecem. Olha o
quanto os donos desses locais estão lucrando, e para isso usando literalmente a
vida alheia, funcionários em risco, perdendo inclusive a folga semanal, com a
saúde a deus dará, sem se quer usar uma máscara, tudo para não deixar a fila
parar. Rimou, mas não tem graça. Eu ouvi um áudio de um verme dono de supermercado
falando para seus funcionários que quem não quiser trabalhar é só “escrever a
carta de demissão”, como se as pessoas pudessem escolher ficar sem o emprego. Imaginem
só isso, não bastam estar lá se arriscando, o verme ainda mostra o chicote!
Nas farmácias a coisa ainda é pior, pois o fluxo de clientes
e só o porco dono do local lucrando não são diferentes, mas o risco aumenta,
pois o número de doentes, por razões óbvias, é maior. Mas estão ganhando ao
menos pela inegável insalubridade desses tempos? Não. Ao contrário, só estão
ganhando mais trabalho, mais desgaste, físico e mental. E ainda tendo seus
direitos liquidados devido a essa reforma trabalhista assassina que está
vigorando.
E os entregadores de comida por aplicativo, nunca trabalharam
tanto, e estão ganhando mais por se arriscarem? É claro que não. As empresas
continuam se quer sem bancar, nem mesmo parcialmente, um seguro médico. Poderia
detalhar para chamar sua atenção para vários outros invisíveis, mas o texto se
alongaria muito, por isso apenas citarei rapidamente: catadores de latinha, sem
festas e sem pessoas bebendo, estão rodando o dia inteiro e não estão conseguindo
o mínimo para se manter; caminhoneiros que transportam isso tudo; frentistas de
postos de gasolina para atender os últimos e a população em geral, que está
evitando o transporte público; por falar nisso, motoristas que não podem parar,
esses além de dirigir o dia inteiro, estão expostos; lixeiros que, segundo o
bosta Boris Casoy, nem se quer podem desejar feliz Natal – “Que merda, dois lixeiros desejando
felicidades do alto das suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho”,
disse o imbecil que não sobreviveria um dia no lugar desses vitais trabalhadores, em 31 de dezembro de 2009; relembrar é viver, né –,
continuam
normalmente, insalubres e correndo atrás de caminhão, algo absurdo
naturalizado; como assim lixeiro tem que trabalhar correndo? Já pensou
seriamente nessa loucura, nesse abuso? É fácil resolver isso, bastam mais
funcionários. Mas para que, né? Dizem aqueles que fazem as regras. Esses últimos
nunca serão afetados. E continuam normalmente sendo explorados aqueles que
plantam e que colhem nossa comida, os mantenedores de serviços básicos, como
água, luz e gás, os funcionários de padaria (a daqui perto de casa passou a
estar aberta 24 horas, deve ter funcionário extrapolando e muito uma jornada minimamente
aceitável), cargos baixos na rede hospitalar, que de fato são os que mantem a
estrutura de atendimento funcionando, o pessoal do metrô e todos esses e outros
juntos ao se transportarem, de casa (quase sempre longe dos grandes centros) para
o trabalho e vice-versa, correndo mais risco.
Se você está em casa agora, é exatamente porque essas
pessoas não estão. São imprescindíveis, assim como deveria ser imprescindível o máximo de cuidado com a saúde delas. Elas precisam se matar para ter o que comer? Enquanto
sociedade, vamos continuar aceitando isso como normal? Quase todas ganhando
salário mínimo, e olhe lá ainda! Não existe justiça em meio à abissal desigualdade.
Mas o grosso da população, que dependem dessas pessoas para tudo, ainda as
desprezam, as tratam como seres inferiores, “cidadãos de segunda classe”. Mas é
um desprezo cênico, não sobrevivem um segundo sem elas, mentem para si mesmos.
Agora com essa situação do Coronavírus as coisas podem aparecer como nunca
vivemos, ao menos nas últimas décadas. Ao atiçar o formigueiro, a formiga age.
Se essa situação se estender, o caos estará instalado, e só aí se perceberá como é
trágica, com consequências terríveis, uma sociedade que coloca grande parte de
seus indivíduos tendo nada a perder.
O Corona é uma desgraça, e por atingir ricos igualmente ou
mais (num primeiro momento ao menos, já que são eles que viajam com frequência), é a única coisa que se fala. Morrem-se
todos os anos dezenas de milhares de pessoas decorrentes da falta de saneamento
básico no Brasil, boa parte crianças, mortes evitáveis, mas ninguém faz nada, a mídia não dá um
pio se quer. Não restam dúvidas que é uma situação muito séria essa pandemia, é
preciso falar com as pessoas e repetir para elas tomarem cuidados (sobretudo reforçar a higiene, não ficar levando as mãos ao rosto, evitar aglomerações e manter uma certa distância uns dos outros, ainda mais das sintomáticas; já a quarentena indiscriminada para todos, salvo em torno do pico de contágio, não é indicada, não é possível ao longo do tempo até se ter uma vacina – muitos não têm pensado nisso, estamos falando, no melhor dos cenários, de um ano e meio), o Governo deve ampliar muito os testes, abrigar contaminados que não têm como se isolar, controlar fronteiras e estradas, obviamente fechar escolas e universidades, não autorizar eventos que envolvam agrupamento, impedir serviços não essenciais e afins, mas a mídia não para um segundo de falar nisso, é 24 horas por dia, no mais das vezes com informações rasas e matérias bobas; se dá pleno palanque para uma
enquanto se naturaliza e ignora completamente outra, e outras, tão sérias quanto ou mais, mas, para
ficar com esse exemplo entre tantos, falta de saneamento só atinge miserável,
né? Se sem tratamento a letalidade desse vírus fosse mais alta, dizimaria
totalmente os pobres, mas isso não vai acontecer, então será hora de tirar
algum proveito, algum aprendizado do caos, e sim, agir enquanto classe. Renda
mínima e/ou assistência digna para essas pessoas em situação de risco é o
mínimo que uma sociedade racional e civilizada deve ter. E já infinitamente
melhores salários para esses trabalhadores de base! É preciso realizar
distribuição de renda, taxar grandes fortunas. Para que serve um governo que não cuida dos vulneráveis
sociais, das pessoas? Sendo esse o caso, o que é uma constatação, o que os
pobres têm em jogo? Se tudo tem um lado bom, o desse momento é o recolhimento dos cacos. A diferença dos favorecidos salta agredindo aos olhos. É hora dos silenciados exigirem a sua vez. A jaula começa a ser quebrada, ninguém vai esperar morrer de fome, sociedade feita para o benefício de 1% da
população é uma doença fadada ao fim. Já não será possível esconder isso mais. Viva
os invisíveis!
Sobre a dificuldade de pessoas que não tem condições nem de lavar as mãos devido à pobreza: https://www.instagram.com/p/B-CXF2EhIxb/
ResponderExcluirMoisés li todo o seu depoimento, suas constatações são reais, mas discordo de algumas coisas, não há como interromper todas as atividades, como por exemplo àqueles que trabalham em supermercados, farmácias, eles poderão usar máscaras e outras medidas preventivas. Quanto à população de rua, está sim deve ter assistência imediata como alojamentos públicos em que elas poderão receber alimentação, local para tomar banhos, cuidados higiênicos e assepsia de uma forma geral. Eu compreendi que o foco do texto são os excluídos pelo governo, mas é preciso que pensemos nas consequências da interrupção das atividades econômicas de uma forma geral. Se os supermercados fecharem, onde compraremos alimentos? Se as farmácias fecharem onde os doentes comprarão medicamentos?.O seu texto foi muito bem escrito, pois nos faz refletir sobre àqueles que estão à margem da sociedade como os moradores de rua, mas você não apresenta soluções, apenas faz uma crítica, uma constatação, enfim está de parabéns pelo texto por nos fazer refletir sobre a situação de quem está à margem da sociedade.
ResponderExcluirMara, eu não disse que todos devem parar. Afirmo que, sendo evidentemente necessários os serviços dos trabalhadores de base, eles deveriam estar melhores protegidos, recebendo mais, todos sendo dignamente pagos pela indiscutível insalubridade do momento e, de forma geral, nesse momento ou em qualquer outro, deveriam ter melhores salários. Quanto a possíveis soluções, há um caminho diverso e longo a percorrer, mas elas aparecem sim, sobretudo na parte final, todavia, você não vai ver nada no sentido de agir para manter o sistema e/ou a economia, mas sim para transformá-los; dessa forma, minhas propostas têm como principal alvo a diminuição da desigualdade social, e não a recuperação disso que até agora vimos. Esses pontos estão expostos no texto, confere aí mais uma vez. Obrigado.
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