Depois desse absurdo tweet,
o Bozo acrescentou ainda: “A função do
governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a
leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a
pessoa” (link). Como se ninguém de humanas estivesse empregado nesse mundo e como
se todo esse campo de estudos da humanidade nada significasse.
O ataque das olavetes ressentidas que não conseguiram entrar
na faculdade – ou terminar o ensino fundamental, no caso do guru Olavo de Carvalho
–, e que não conseguem pensar, começa a se institucionalizar. Seguem como um mantra
o diagnóstico desse astrólogo que mora na Virgínia, processado aqui pela
própria filha e que se auto intitula “filósofo”, autodeclarado professor, falsificador de currículo que
nunca pisou em uma universidade, sem nenhuma pesquisa, e quer dizer como as
coisas funcionam em tal. Na cabeça dele, as universidades são comitês
comunistas, anarquistas, abortistas, satanistas, de comedores de criancinhas,
onde se aprende unicamente a apertar um baseado e fazer orgia pansexual,
sobretudo, claro, nas ciências humanas. O cancro que ocupa a cadeira de
mandatário maior do Brasil é discípulo desse devaneio, e já deu inclusive
entrevista dizendo que as Universidades Federais não produzem pesquisa!
Necessariamente a única fonte possível para se dizer isso é o cu do Olavo, pois
a realidade é bem outra.
É patético uma sociedade abdicar de se pensar enquanto
sociedade, de desenvolver o espírito crítico filosófico. Sem um
"porque", se perde o "como", diz sabiamente Nietzsche. Na
nossa clássica linha evolutiva biológica, esses sujeitos estão na contramão (o
cérebro reduzido certamente eles já têm). A fórmula desses crápulas é simples:
o indivíduo ignorante é fácil de domesticar. Só não vê quem não quer, pois a última
coisa que eles se preocupam é com o pobre. O que eles querem ver
"desenvolver" na classe trabalhadora é só os calos nas mãos. O
conhecimento restrito àquilo que esses energúmenos desescolarizados dizem ser
útil. É o fim! Por natureza, o avançar científico e a posição crítica não podem
estar presos ao que eventualmente produzirá ou não no mundo, a pesquisa
acadêmica não pode estar condicionada a tais contingentes. E quem é esse ser
que julga o que é útil ou não para se estudar? Ora, um saber que é útil hoje, pode deixar de o ser amanhã e vice-versa – se é que podemos falar que algum
saber “obsoleto” é de fato inútil, já que podem gerar aprendizados, teorias e
novas tecnologias que os toma como ponto de partida, como a história tem mostrado. Isso é elementar em todas
as áreas! Será que esse jumento lambe botas dos EUA, que ora infelizmente nos
preside, sabe, por exemplo, o quanto seu queridinho país modelo gastou e gasta
nas "inúteis" viagens e pesquisas espaciais?! Isso é a afirmação
máxima do "animal laborans"
(como conceitua Hannah Arendt) em detrimento do homo sapiens, isto é, a transformação do homem meramente em um burro de carga, a vida enquanto consumo e sobrevivência, nada mais, sem pensamento, sem reflexão, sem curiosidade, sem criatividade. Troca-se o cérebro por um braço.
Que país é esse que quer escolher qual curso um pobre pode
ou não cursar?! O Ministro da Educação, que de educação e pedagogia conhece tanto quanto um asno de astrofísica, o economista Weintraub, chegou a dizer ao vivo no Facebook: “pode cursar filosofia? Pode, (mas) com dinheiro próprio”. A desigualdade de acesso a conhecimentos é tão brutal como a
socioeconômica, talvez ainda mais cruel. Condicionar uma pessoa apenas como um
trabalhador braçal, ou como alguém que tem somente que “produzir”, ainda que
como um trabalhador qualificado, é o mesmo que reduzir a sua capacidade
enquanto ser humano pleno. É dizer que questões metafísicas não são para ele. Que
nada pode ou deve dizer sobre a ética, a estética, a teoria do conhecimento, a
teoria política, as organizações sociais, a antropologia, a linguagem, os
sentidos de ser, e por aí vai, ou seja, “questões elevadas não, trabalhe calado”.
A filosofia e a sociologia são as bases de literalmente tudo o que temos no mundo,
da própria razão, em uma palavra, do que somos. Se eles tivessem lido o que
Foucault fala reiteradamente sobre a ligação intrínseca entre poder e saber, mas não, só conhecem meia dúzia de chavões do encosto de
porta “O mínimo que você precisa saber
para não ser um idiota”, do idiota mor, novamente, a besta quadrada Olavo
de Carvalho. E não é verdade o que ele disse sobre o Japão ter abandonado as ciências humanas, pois essa política orientada em 2015 por um ministro que saiu do cargo no mesmo ano acusado de corrupção, que se quer foi implementada pelas principais universidades de lá, já foi revista. Vale mencionar que cursos de humanas são os mais baratos de serem ministrados, onde o gasto é quase que exclusivamente com o corpo docente, e alunos de filosofia e sociologia são apenas 2% nas federais, portanto, logisticamente é um absurdo em todos os sentidos, o que desnuda o viés puramente ideológico de perseguição.
É claro que o trabalho imediato é importante, pois quem não
tem renda nesse insano mundo capitalista se quer come, não importa se é criança, doente,
velho, incapaz..., ou paga as contas no final do mês, ou vai disputar comida
com ratos e baratas nas ruas. Alguém vindo de família pobre deve sim procurar um
estudo ou qualquer que seja a saída para ter alguma condição de existir, claro – a maioria da população está nessa condição e age assim –, mas isso não pode vir junto com negar seu desenvolvimento intelectual. Não se
pode tolher sua escolha. Veja ainda que as vagas dos cursos mencionados pelo
Bozo e equivalentes ficam na esmagadora maioria para pessoas da elite econômica,
oriundas das classes privilegiadas (mesmo com a implantação de cotas, que a
propósito, ele quer tirar), de forma que em muitos casos outros cursos de “baixo”
prestígio e/ou sem retorno financeiro imediato acabam sendo a saída possível.
Colocando assim alguém oriundo das classes baixas, que não faria curso algum, com nível superior de ensino, para tratar de todas as questões que envolvem não necessariamente o cunho
trabalho em série. Estando empregado ou não na área de formação, ele se torna um sujeito
autônomo, que pensa por si próprio, que amplia o mundo com seu olhar, que
conscientiza aqueles ao seu redor, o que é o primeiro e mais importante passo para se tentar
fazer uma sociedade mais justa para todos. Mas a última coisa que eles querem
são sujeitos pensantes, não por acaso o boçal mor do Planalto chegou a dizer que “ninguém quer saber de jovem com senso crítico”. É isso que elegeram como nosso presidente! Aprendizado real sem senso crítico não existe, mas sim robôs repetindo e decorando coisas. Filosofia e sociologia devem ser a base de todo ensino, antes de aprender qualquer disciplina formal, o aluno existe como pessoa, em conjunto, com suas questões existenciais e com a presença do outro; abandonar essas questões é como abandonar a vida humana. E são mais que fundamentais como matérias regulares no Ensino Médio, afinal, trata-se da história do pensamento, suas aplicações no cotidiano e de nossas criações e organizações em um mesmo ambiente. É importante salientar que a Constituição Federal deixa claro (Art. 205) que a educação não se resume ao trabalho, mas deve ser promovida "visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania" e, só por fim, "sua qualificação para o trabalho". E o ensino, por mais que esses jumentos o ataquem, é um campo
aberto para todas as áreas, em todos os níveis, trabalhar com e/ou valorizar a
educação sempre serão um norte para aqueles que são dignos de serem chamados de
um ser pensante. Mas eles têm um ataque de nervos ao saber que eventualmente um
favelado pode, no futuro, através desses cursos “à margem”, se tornar um
professor, quem sabe até mesmo universitário, ganhando bem e ensinando para os filhos deles, entre outras
coisas, o que é a desigualdade social, o racismo institucional e as consequências das diversas discriminações.
Por essas e outras odeiam tanto Paulo Freire, que dele só conhecem o nome, pois era alguém que entendia a educação como forma de libertar um povo, e isso pede consciência de si, do meio social e senso crítico. A propósito, nosso respeitado educador (no mundo inteiro!) já dizia: "Seria uma atitude ingênua esperar
que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que
proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira
crítica". Em suma, estamos vivendo novamente um ataque mortal aos
questionamentos de Sócrates, à biblioteca de Alexandria, ao pensamento livre de
Hipátia, Galileu, Giordano Bruno e tantos outros, à criatividade de Einstein.
Mas resistiremos! O saber não para, sempre passou por cima daqueles que tentaram limitá-lo, os colocando na lata de lixo da história, mais cedo ou mais
tarde. Punhos cerrados, avante!
“Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes que os seres humanos são capazes.” (MARILENA CHAUI. Filosofia. São Paulo: Ática, 2005, p. 15).
“Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes que os seres humanos são capazes.” (MARILENA CHAUI. Filosofia. São Paulo: Ática, 2005, p. 15).
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