quarta-feira, 29 de abril de 2020

Explique-me o que te leva a ainda assistir o BBB

EU, MOISÉS: Por gentileza, me explique o que te leva a assistir o vômito deletério de neurônios, BBB, em sua milionésima versão. #GetALife

R. F.: Real, não consigo ver 5 minutos desse lixo! Nem dá pra chamar de entretenimento barato. Se quiserem me torturar, esse é o caminho!

EU, MOISÉS: Verdade, mano, somos dois. Quarentena não é desculpa. Enfiem agulha debaixo da unha que é mais suave!

F. M. C.: Não acompanho o programa. Como telespectadora, nunca gostei, mas confesso que essa edição do programa me chamou a atenção pelo "destaque" que participantes negros tiveram. Uma mulher negra vencendora de  programa de comoção nacional pra mim, além da representatividade, tem a questão de identificação. O programa em si não é das melhores criações que a tv já teve, mas levando em consideração como experimento social, consigo tirar algum proveito. É uma questão de olhar crítico. Apesar do meu lado negativo também achar que colocar uma mulher negra como vencedora seja apenas uma forma de manipulação com intuito de acalmar os ânimos daqueles "insatisfeitos". Passa uma impressão ilusória de conquista de algo, se é que me entende.

EU, MOISÉS: Com toda franqueza, nem sei quem ganhou, realmente não paro para ler nada a respeito, só tenho visto muita gente comentando sobre, o que me intrigou... Não sei se esse lixo de programa ainda existe em outro lugar do mundo, 20 edições deve ser só no Brasil. Também não sei dizer se manipulam os votos, não duvido, pode ser o caso, e com essa intenção que vc menciona sim. Lembro que quando assisti um há séculos atrás, eles pediam para os candidatos mandarem vídeos, mas escolhiam modelos que nem inscrito tinham, o que vazou na época por um dos próprios participantes, então, certamente tudo é possível, até porque o público fiel dessa merda normalmente não tem capacidade para perceber essas coisas... Quanto à questão do espaço para pessoas negras na tv, penso que esse é um dos piores possíveis, quero ver negros em posições significativas, não como hamster na gaiola animando circo com bobagens que não vale a pena perder um segundo se quer. Mas já que essa merda existe e muitos perdem a vida assistindo, ter só brancos protagonistas é obviamente racismo, já que os diretores fazem praticamente toda a narrativa pela edição; então, concordo em partes contigo... Enfim, fico tentando imaginar o que leva alguém, em um sábado à noite, parar para assistir uma festa de meia dúzia de pessoas e coisas do tipo.

G. F.: Moisés, foi a médica preta. Thelminha. Babuzão papai saiu na semi final. O que mobilizou mesmo o BBB foi a quarentena.

F. M. C.: Como disse, o programa não agrega conhecimento pra maioria da audiência que assiste por falta de senso crítico, mas que a edição foi sim especial para a comunidade negra, não tem como negar; e só quem entende isso somos nós, negros, e muito mais profundo  do que a superficialidade que é passada no programa. O cenário político, social, dos últimos anos, gerou impactos que começam a refletir agora. Mas vc não acompanhou o desenrolar do programa, o que dificulta ter uma opinião. Mas como já concordamos, tudo na mídia envolve manipulação.

EU, MOISÉS: Não posso opinar com propriedade sobre eles, mas sendo o protagonismo dos brancos no BBB, o que provavelmente é o caso (também não posso falar com 100% de certeza, assisti um e meio dos vinte que teve), já que quase sempre é assim nessa sociedade estruturalmente racista, pode ser relevante eles tendo chegado e ganhado. Apesar do programa ser um derretedor de cérebro, muita gente assiste.

F. M. C.: A questão não foi sobre ganhar ou perder.

EU, MOISÉS: Estou escrevendo pelo celular, não tinha aparecido sua resposta, estava respondendo ao G. F. Então, não sou branco, tenho muito mais características indígenas, fui barrado duas vezes na portaria da Faculdade de Medicina da UFMG e ainda ouvindo, na segunda vez, a mulher que estava na portaria, julgando pela minha cara, dizer: "aqui é para alunos". Fiz questão de brigar e fazer acontecer nas duas vezes, na segunda entrar como não aluno, mesmo sendo aluno, mas fato é que, independente de qualquer coisa, fui discriminado por minha aparência destoar de quase a totalidade dos alunos de medicina na época, principalmente pelo meu tom de pele ser mais escuro que o deles (isso foi antes da política de cotas). No Brasil a intensidade do racismo aumenta quanto mais escura for a pele, fato, mas consigo sim imaginar essa representação, até porque me vejo mais neles. Sou pardo, faço parte dos negros. Não nego que tenha importância para a comunidade negra, ainda mais uma mulher negra, o que lamento é a existência do BBB.

W. S.: Nem parece que leu o racista do Kant,  hein Moisés. Rsss. Fazendo  crítica sem conhecimento de causa, man!? Haviam dois participantes que estavam discutindo e se envolvendo em  questões mais amplas que um simples reality.

EU, MOISÉS: Ora, é com conhecimento de causa, meu caro, o programa é o mesmo lixo desde a primeira edição, inclusive é por isso que pagam por usar o formato. Não vale a pena mergulhar na merda para eventualmente achar uma maçã, ainda mais sabendo que há maçãs melhores fora.

G. F.: O problema é esperar do programa BBB emancipação. Isso é reduzir o que seja racismo na sociedade. Mas compare: tem mais pessoas que odeiam BBB esperando a redenção do racismo do que quem brincou de BBB. Quem brincou de BBB não esperava a superação do racismo. Mas votaram, protestaram , fizeram debates.  E se entreteu.

EU, MOISÉS: Não vi absolutamente nada do programa. Mas com certeza não é lugar propício para considerar o negro como emancipado, e talvez ainda mascarando de tabela o problema concreto que é o racismo na sociedade; nesse ponto concordo plenamente contigo. Falar do tema em qualquer campo é importante, mas é preciso infinitamente mais que um BBB da vida para a questão ser levada a sério. É preciso, sobretudo, ocupar posições de prestígio.

G. F.: Sim. É uma questão de coerência entre demanda e ferramenta. Vc já assinou aqueles abaixo-assinados achando que aquilo ia mudar o Brasil ou respondeu enquete do governo? Vc não espera uma revolução nas eleições, né? Ou torce em um jogo do futebol achando que está colaborando para a democracia? Ninguém que assisti BBB espera uma mudança estrutural na sociedade. Pelo que parece, quem espera isso é quem não chegou assistir um dia. (Ninguém é obrigado a gostar. Mas constranger também, me parece a verdadeira alienação).

EU, MOISÉS: O BBB é a morte em vida, mas inacreditavelmente ainda fala para muita gente, então, se algo positivo for dito, não vai mudar as coisas, claro, mas pode contribuir em algum sentido num país com tão baixa escolaridade. Mas fato é que o lixo e a perda de tempo são a regra, intrigas patéticas entre seres humanos presos em uma gaiola, o resto é pano de fundo, mero "cenário" para as baboseiras corriqueiras. Como o R. F. disse, eu também só assisto sob tortura (e olhe lá!).

R. F.: É, no dia em que qualquer mudança na sociedade depender de um programa de televisão, talvez eu assista. Eu não critico pessoalmente quem assiste, cada um gasta o tempo que tem com o que quiser. Eu acho horrososo, adolescente, cheio de discussões patéticas com pessoas medianas demais. Não é um entretenimento que me cativa. Agora, uma coisa  que tenho reparado, e que o G. F. até citou também como se fosse o caso do comentário do Moisés,  é que quando se critica algo popular, logo aparece alguém tomando as dores. Por exemplo, se eu disser que sertanejo universitário é um lixo, vão descer o pau em mim. Mas se alguém faz um post elogiando, tá tudo bem, direito de expressão.

G. F.: Moisés, vc está apaixonado pelo BBB. O programa não pretende ser tão grande pra ser tão ruim como vc apontou. Vc colocar o programa nesse patamar é na verdade uma declaração de paixão. Vc está mais apaixonado pelo programa do que quem viu, emocionou, votou e acompanhou. Não sei os colegas W. S. e o amigo acima, mas eu vendo, acompanhando e torcendo, não fiquei tão apaixonado quanto vc ao programa.

W. S.: Poha véio, torci para o Babu como um louco. Altas pautas, altos cutucos na branquitude. Claro que isso não derruba nenhum muro, mas causa boas fissuras, penso.

G. F.: Penso que joga uma semente na cabeça de um grande público, que pode não germinar ou germinar. A perspectiva é a grande relevância da representatividade.  Não o pódio em si. Ter perspectiva que realmente fere a branquitude.

EU, MOISÉS: G. F., não entendi. Fiz uma crítica, amigos comentaram, os respondi. Agora, o programa é um chorume, mas não dá para negar o alcance do mesmo. É certo que se não fosse da Globo já teria deixado de existir, mas é e infelizmente dá muita audiência.

G. F.: Sim, e é só um programa, um vídeo game coletivo que mobiliza ações sobre um contexto de convivência controlada. Existe coisas muito mais pesadas para pautar nessa dinâmica, muito mais. A política do espetáculo, desde os primórdios, passando por futebol, MMA e afins, a exploração da vida da pessoa para detrimento de uma burguesia. (Embora hoje não possamos falar que o detrimento do programa é a burguesia, mas reside algo de escravocrata, como os gladiadores na Grécia). Pensar, inclusive com seu conhecimento filosófico, como não é novidade pessoas pretas nesse lugar, e como não é inédito pessoas pretas sacrificarem algo de relevante, como a vida, para gozo social. Sei lá, eu teria, sem seu estudo de foco, pelo menos umas dez ideias para criticar o BBB e a relação com o espetáculo. Escravos postos para se matarem para dar gozo a uma multidão a fim de que esses não se rebelem. Tem muita coisa, fraga? E no final de uma arguição sua, poderíamos ficar pensando como não rompemos com esses hábitos. Porém, para fazer algo do tipo, vc não pode estar apaixonado como está, é como se fizesse um moinho de vento virar um dragão para mostrar que temos que enfrentar esse dragão bravamente e de forma Quixotesca, enquanto no final da coisa toda, é só um moinho de vento. A paixão pela batalha faz com que pareça um dragão e não o uso do moinho como seria, equivocadamente, atribuido às pessoas que usam moinhos de vento para alguma coisa. BBB é um espetáculo, e a função do espetáculo socialmente está posta. Provavelmente eu discordaria com vc, mas saberia que foi feito com muito zelo, e não a redução imediatista da coisa toda. Mas concordaríamos que BBB é um moinho de vento.

EU, MOISÉS: Importante essa questão do espetáculo, da mercadorizacão das relações humanas, forçadas como "entretenimento". Há muito a se criticar em algo tão tosco, por décadas no ar, aniquilando neurônios. Certamente minha análise não é fria, tem uma surpresa, uma perplexidade e uma certa indignação de ver tantas pessoas que considero acompanhando e comentando sobre esse programa imbecilizante; se agora com a palavra paixão vc se refere ao páthos grego, e não à "declaração de paixão", concordo contigo. Acho muito difícil tratar certas coisas sem ser por elas afetados, no caso do BBB, no mínimo o asco é inevitável.

[Reprodução de debate em rede social, no dia seguinte após o término do programa Big Brother Brasil (BBB) 2020, produzido pela Rede Globo de televisão].

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