Sócrates nos ensinou o valor da ironia, então me permitam começar
usando-a: imagine, Glauco, a seguinte situação: “uma menina criada no seio de
uma família de ‘bem’ (por mais que eu ache ridícula essa expressão, uso só
agora para ilustrar, rs), que nunca faltou nada, que sempre teve férias em
lugares diferentes, todos os brinquedos, proteção e amor dos pais, domingo no
sítio do vovô e da vovó, que sempre comeu do bom e do melhor, que estudou nas
melhores escolas, que fez balé, natação, violino e outras coisitas mais, que
falava fluentemente três línguas antes de entrar na melhor universidade aos 17
anos, que em seguida se formou em medicina (ou direito, ou engenharia), sendo
‘doutô’ tão novinha, depois já sai com um bom emprego devido aos contatos do papai,
em um belo dia decide mudar de profissão, escolheu agora ser ‘prostituta de
luxo’ ” – Glauco pasma: “você enlouqueceu, Sócrates?!”.
A
situação inventada é tão bisonha que não precisa comentar... A questão da
“prostituta de luxo”, a meu ver, nem mesmo é um argumento para discutir a
prostituição como um todo, pois se se pegar todas as prostitutas, desse “tipo”
serão menos de 0,001% delas (jogando baixo!), falando abertamente, quase a
totalidade está dando para vinte caras em um dia e mal conseguindo pagar o
aluguel do puteiro e se alimentar (e alimentar os filhos – muitas aceitam fazer
sexo com qualquer lixo humano que aparece, algumas mesmo sem proteção se pagar
mais, para não ver seus filhos passando fome!). Quando uma garota entra no
mundo da prostituição sua vida fica marcada, não basta querer mudar (e mesmo
essa posição pessoal é complicadíssima, por inúmeras questões, sobretudo de cunho
psicológico – mas por um momento desconsideremos os traumas, a falta de
escolaridade, de oportunidades, os espancamentos, as ameaças, as drogas, o
risco eminente de morte e o fato da maioria delas terem começado uma vida
sexual precoce, em muitos casos fruto de estupro), a sociedade não mudará
junto... Uma vez inserida naquele meio, tudo que ela quer é um “cliente”, mas
isso não significa nada para olharmos a questão de forma geral.
Profissionalizar
a prostituição no Brasil é permitir qualquer neoliberalzinho patético, herdando
a fortuna do papai, investir para basicamente escravizar mulheres pautado na
lei da oferta e procura; ao menos hoje o cafetão ainda pode ser preso (sim, no
mais das vezes apenas em teoria, sabemos que eles estão por aí, disfarçam
pagando de “hoteleiros”, cobrando absurdamente mais por um quarto), oficializar
essa situação será dizer o contrário, será fazer com que elas ganhem ainda
menos; dizer que teriam “salários dignos” é tão piada quanto o Cunha defendendo
o mesmo na terceirização, francamente... “É a profissão mais antiga do mundo” –
dizem alguns. Assim como a escravidão, né?! Seja como for, eu não consigo ver
como fazer sexo por dinheiro não é um tipo de violência (se não pensam assim,
peço que mostrem claramente como), evidentemente há violência social, que
começa na desigualdade socioeconômica, mas também diversas outras. Fazer sexo
mandado com qualquer estranho, da forma e quando esse quiser, poderia ser um
tipo de “prazer” (do mais inconcebível para mim), mas se entrar o ganho do
dinheiro vem junto a violência sim, a submissão extrema pelo capital, muita
grana não muda essa relação, muda apenas os objetivos e quem está usando;
certas coisas não devem poder estar à venda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário